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Áustria volta às urnas sob efeito Trump

Christian Bartlau pv
2 de dezembro de 2016

Um ambientalista ou um populista de direita? País vota para presidente em repetição do segundo turno. Resultado deve ser novamente apertado e pode ser influenciado pela eleição de Donald Trump nos EUA.

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Os candidatos à presidência da Áustria: o ambientalista Alexander Van der Bellen (esq.) e o populista de direita Norbert Hofer
Ambientalista Alexander Van der Bellen (esq.) e o populista de direita Norbert HoferFoto: picture-alliance/dpa/C. Bruna

Na lanchonete Endstation, em Viena, a raiva e a resignação estão ainda mais presentes que o cheiro de fritura. A dona do estabelecimento, Christa Kantor, de 67 anos, vira as salsichas na grelha e serve uma cerveja a um cliente.

Neste domingo (04/12) será realizada a repetição do segundo turno da eleição presidencial na Áustria. O pleito está recebendo atenção mundial, porque pode sacramentar o desenvolvimento dos populistas de direita numa tríade internacional: Brexit – Trump – Hofer?

Österreich vor der Präsidentschafts-Wahl
Christa Kantor, dona do quiosque Endstation, em Viena: "Aqui todos votam em Hofer."Foto: DW/C. Bartlau

Na Endstation, isso não é tema de discussão. Segundo Kantor, nenhum dos clientes fala sobre a eleição austríaca. "Porque aqui todos votam em Hofer", diz, com a voz rouca. Um homem no balcão acena com a cabeça, concordando, em silêncio.

Poucos eleitores ainda indecisos

Nove em cada dez eleitores já decidiram em quem votarão neste domingo, aponta uma pesquisa. Os candidatos são o nacionalista de direita Norbert Hofer, do Partido da Liberdade (FPÖ), e o ambientalista Alexander Van der Bellen, que oficialmente está na corrida como candidato independente.

A decisão deve ser apertada novamente, apontam pesquisas. Na data oficial do segundo turno, realizado em 22 de maio, Van der Bellen ganhou com a vantagem de cerca de 30 mil votos. O resultado foi revogado em 1º de julho: houve irregularidades demasiadas e evidentes na contagem dos votos. O Tribunal Constitucional da Áustria aceitou uma queixa da FPÖ e anulou o pleito.

Desde então, não apenas a data alternativa foi postergada como o mundo deu uma inclinada política à direita. E a Áustria se pergunta: existe um efeito Donald Trump? E se assim for, para quem?

Paralelos com os Estados Unidos

O mais tardar desde 9 de novembro, quando Trump foi eleito, as comparações com os EUA estão em alta. E com razão, segundo o cientista política Reinhard Heinisch. "Semelhante ao que aconteceu nos EUA, os eleitores de Hofer estão bastante sensibilizados e sabem exatamente por que o escolheram. Do outro lado, muitos eleitores de Van der Bellen querem apenas impedir a vitória de Hofer", disse, em entrevista à DW.

De acordo com uma enquete realizada pelo instituto de pesquisa de opinião OGM, 57% dos eleitores de Hofer o escolhem com convicção; no caso de Van der Bellen, são apenas 39%. Segundo Heinisch, isso dificulta o trabalho do ambientalista de mobilizar as pessoas para irem às urnas.

US-Präsidentschaftswahl 2016 - Sieg & Rede Donald Trump
A vitória de Trump nos EUA deve influenciar a votação na Áustria. Mas a favor de quem?Foto: Reuters/C. Allegri

Heinisch viveu 13 anos nos EUA e vê muitos paralelos: "O clamor por mudanças, contra o establishment – isso é comparável. Estamos vendo uma divisão semelhante entre cidade e interior, entre níveis mais altos e mais baixos de escolaridade, assim como entre homens e mulheres".

Tudo isso favorece o candidato populista de direita. Os "esquecidos" – como Trump os chama – naturalmente também existem na Áustria. Onde as pessoas estão insatisfeitas, elas votam na FPÖ. Como, por exemplo, no distrito de Simmering, na capital austríaca, onde Kantor busca reforçar sua aposentadoria com seu lanchonete.

Há dois anos, o jornal local Die Presse apelidou Simmering de o "bode expiatório" de Viena. O antigo bairro operário é um símbolo da mudança no país: por lá, em 2014, o fabricante de tanques de guerra Steyr fechou suas portas. Desde então a taxa de desemprego aumentou constantemente, foi aberta uma casa de apostas depois da outra e, em 2015, a FPÖ destituiu os social-democratas do SPÖ como partido mais forte no distrito.

"Minha mãe ainda era uma 'vermelha'[cor do Partido Social Democrata]", afirma Kantor. Ela própria, há tempos, vota nos azuis da FPÖ. "As pessoas estão irritadas", diz. "E o senhor Hofer vai, ao menos, se engajar pelos austríacos."

Seriedade contra raiva

Do reduto político de um ao do outro não é um longo caminho em Viena. Na praça Keplerplatz, em Favoriten, distrito vizinho de Simmering, Barbara Neuroth veste um elegante sobretudo de inverno azul e distribui folhetos pró-Van der Bellen na zona de pedestres.

"Votem! Não sejam surpreendidos", está escrito nos panfletos – uma alusão ao anúncio de Hofer num debate televisivo em que o candidato da FPÖ disse que as pessoas ficariam surpresas com tudo aquilo que um presidente pode fazer. Nesta fase da campanha eleitoral, na qual se trata de mobilizar os indecisos, Van der Bellen está apostando todas as fichas na estratégia anti-Hofer.

"Os austríacos já são bastante carentes de harmonia", afirmou Heinisch. "Com o Brexit e a eleição de Trump, muitas mudanças têm acontecido no mundo." Exatamente por isso que o ambientalista de 72 anos Van der Bellen tem transmitido seriedade e respeitabilidade em suas mensagens. "Em minha opinião, isso é também a única coisa favorável a Van der Bellen. Os temas refugiados, Turquia e as críticas à União Europeia tornam tudo mais fácil para Hofer."

A ativista eleitoral Neuroth não concorda. Ela está otimista e acredita que Van der Bellen sairá vitorioso na repetição do segundo turno. "Apenas um terço dos que distribuem panfletos neste distrito são simpatizantes do Partido Verde, o resto são voluntários", afirma, euforicamente. "Está surgindo um movimento real."

Barbara Neuroth (de azul) distribui panfleto para o ambientalista Van der Bellen: "Votem! Não sejam surpreendidos."
Barbara Neuroth (de azul) distribui panfleto para o ambientalista Van der Bellen: "Votem! Não sejam surpreendidos."Foto: Barbara Neuroth

A fadiga eleitoral, constantemente abordada nos meios de comunicação, ainda não atingiu Neuroth. O comparecimento às urnas de 73% no segundo turno em maio será muito difícil de ser batida. "Mas as pessoas sabem do que se trata [essa eleição]. Ainda mais depois de Trump", diz Neuroth.

Seja quem for o vencedor desta eleição, Heinisch conjectura que os estrategistas dos partidos analisarão já em janeiro a predisposição da população para voltar às urnas e, então, dar início à próxima campanha eleitoral. "Estimo que tenhamos novas eleições já no primeiro semestre do ano que vem."