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"Violência policial e black blocs desmobilizam a sociedade"

Roberta Jansen13 de setembro de 2016

Em entrevista à DW Brasil, sociólogo Ignácio Cano fala sobre suspeita de partidarismo na truculência da polícia em manifestações, a ação obscura dos black blocs e operações de inteligência por parte do Exército.

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Polícia prende manifestante durante protesto em São Paulo
Polícia prende manifestante durante protesto em São Paulo no dia 30 de agostoFoto: Reuters/P. Whitaker

A ação truculenta da Polícia Militar nos últimos protestos contra o governo de Michel Temer deixou feridos manifestantes e jornalistas e tornou a levantar a discussão sobre o uso político da PM. Bombas de efeito moral, jatos de água e balas de borracha foram usados para dispersar manifestantes nos últimos eventos. Uma estudante perdeu um olho por conta de estilhaços de bomba. Pelos menos 30 pessoas foram presas de forma questionável nos últimos dez dias.

Em entrevista para a DW Brasil, o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) fala sobre as recentes agressões policiais, os black blocs e a realização de operações de inteligência pelo Exército.

DW Brasil: A repressão violenta da polícia a manifestações políticas faz sentido?

Ignácio Cano: Não. Vi muitas denúncias de São Paulo no sentido de que toda a tolerância demonstrada pela polícia anteriormente, em atos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, desapareceu. A atuação agora, nas manifestações contra Michel Temer, foi bem mais dura, intolerante, levantando a suspeita do uso partidário dos dispositivos de segurança.

A Polícia Militar no Brasil tem uma tradição de violência. Isso se reflete na resposta às manifestações?

O diferencial da nossa PM é que ela faz um uso excessivo da força letal. E ela faz isso por conta de um conjunto de elementos: ambiente violento, uma doutrina de resposta violenta ao crime, a omissão do Ministério Público e do Judiciário, que não apuram as mortes (ocorridas em confrontos com policiais), e também por uma demanda da parte da sociedade que acha que 'bandido bom é bandido morto'. Mas isso é diferente da repressão às manifestações, que também é comum em muitos outros países.

O atual clima político do país influencia a ação violenta da polícia nas manifestações?

Sem dúvida nenhuma. É preciso haver um equilíbrio entre o direito dos manifestantes de expressarem suas opiniões e o direito do restante da população de circular livremente. A política acaba tendo um papel muito forte para definir o quão dura vai ser a repressão, qual vai ser o grau de tolerância com os manifestantes. Se contam com a simpatia do governo, é improvável que manifestantes sejam reprimidos com violência. Em São Paulo, o que se viu foi uma polícia tolerante nas manifestações favoráveis ao impeachment. E agora, em poucos dias, tivemos um monte de registros de acidentes, feridos, o que levanta a suspeita de que haja interferência.

Qual é o papel dos black blocs nesses confrontos?

Os black blocs são, na verdade, aliados dos setores mais conservadores, ainda que muitos não percebam isso. Eles depredam, geram uma resposta violenta da polícia e afastam as pessoas das manifestações. Inicialmente, a narrativa das mídias tradicionais era de que eles eram vândalos. Depois, a imprensa mudou, e a narrativa se transformou em 'o povo insatisfeito que vai para a rua expressar sua opinião'. Agora voltou a narrativa dos vândalos. E eles acabam fazendo o jogo dos mais conservadores.

Que tipo de ameaça os black blocs representam?

A principal ameaça é política. Eles podem depredar, entrar em confronto com a polícia, mas o grande impacto é político. Eles desmobilizam a sociedade, que passa a identificar manifestações com violência e desordem, e afastam as pessoas das ruas, alcançando um objetivo oposto ao que dizem querer.

E uma polícia violenta?

Da mesma forma (que os black blocs), ela é uma ameaça à livre expressão política, sobretudo se estiver instrumentalizada para defender um determinado projeto político e não a sociedade. A polícia não pode agir em relação ao conteúdo da manifestação. Ela não pode ser direcionada para reprimir algumas manifestações.

Recentemente, descobriu-se que um capitão do Exército estava infiltrado entre manifestantes para fazer um 'serviço de inteligência'. Isso é papel do Exército?

Isso já foi feito no Brasil, no episódio da Guerrilha do Araguaia (durante a ditadura militar), de forma muito emblemática, sob o discurso da inteligência para a defesa nacional. Mas não é papel do Exército fazer inteligência em questões de política interna, está fora de sua função acompanhar grupos políticos. Esse papel cabe à polícia ou, no máximo, à Abin (Agência Brasileira de Inteligência). A missão do Exército é outra.