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Universidade alemã estuda relação entre música e ditadura

Paulo Chagas27 de fevereiro de 2004

De alguns anos para cá cresce o interesse em pesquisar a música nos regimes ditatoriais, como o nazismo alemão. A Universidade de Wuppertal discute o tema em simpósio. DW-WORLD conversou com um dos seus idealizadores.

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Manifestação de massa no Terceiro ReichFoto: dpa

Em 1995, a Universidade de Wuppertal realizou um simpósio sobre "Música e Nazismo". A ditadura nazista do Terceiro Reich é o exemplo emblemático de um regime que proibiu certos estilos de música, como o jazz, mas sobretudo excluiu os músicos judeus, que tinham um importante papel na vida musical da Alemanha.

Os nazistas tinham um projeto radical, que era exterminar a raça judia, considerada inferior, explica o professor Kautny. Os compositores judeus foram excluídos da vida musical, a partir da década de 1930. A principal vítima da ideologia nazista foi a chamada música de vanguarda. Por exemplo, as composições de Arnold Schoenberg – compositor austríaco que revolucionou a música do século 20 – foram proibidas no Terceiro Reich.

Fim da música de vanguarda

Na verdade, os nazistas baniram a música experimental, pois esta não se prestava à mobilização das massas. Para conquistar o apoio popular, a ideologia nazista privilegiou os coros masculinos e as grandes óperas patéticas de Wagner e outros compositores alemães. Nada de música dissonante que contrariasse as normas vigentes, afirma Kautny.

O nazismo impediu o desenvolvimento da música de vanguarda na Alemanha, tanto erudita como popular. Só restou a música fácil, de caráter folclórico. Foi uma catástrofe, diz o professor.

Depois da Segunda Guerra Mundial, os compositores adotaram uma postura radical, negando tudo o que estivesse relacionado com o nacionalismo alemão. Foram buscar novas formas de expressão musical, como a música eletrônica, no estúdio da Rádio WDR de Colônia.

A música no fascismo, comunismo e outras ditaduras

Embora seja o exemplo emblemático, a ditadura nazista não foi a única a reprimir manifestações musicais. O fascismo italiano, o comunismo da União Soviética, o regime de Franco na Espanha, a China durante a época de Mao, e mesmo a ex-Alemanha Oriental também impuseram ideologias a serem seguidas pelos compositores e músicos.

Será que há características comuns entre as músicas de diferentes ditaduras? Esta é uma das questões cruciais que levou Oliver Kautny e Helmke Jan Keden a idealizarem o simpósio "Música em Ditaduras do Século 20".

Kautny e Keden são professores do departamento de Pedagogia Musical da Universidade de Wuppertal, que organiza o simpósio, em colaboração com a Central Alemã de Formação Política (Bundeszentrale für politische Bildung – BPB).

Aspectos políticos, estéticos e ideológicos estão agendados nos dois dias do encontro (28 e 29 de fevereiro), que tem a participação de pesquisadores alemães e europeus. A hipótese do simpósio, segundo o Kautny, é que há semelhanças entre as diferentes ditaduras no plano musical.

A música pega pelo emocional

Plakat Entartete Musik Eine Abrechnung von Staatsrat Dr. H.S. Ziegler Deutsches Historisches Museum
"Música degenerada", cartaz nazistaFoto: DHM

Todas as ditaduras se aproveitam do aspecto emocional e ritual da música para mobilizar as massas. Isto é uma das características principais de todas as ditaduras, ao lado do fato de possuírem um só partido e empregarem métodos terroristas, afirma Kautny.

A música é um meio eficaz para atingir o emocional, pois tem elementos que unem as pessoas, por exemplo o canto. Os espetáculos de massa têm um papel fundamental em ditaduras. Os nazistas foram mestres em encenações de massa, onde milhares de pessoas se reuniam para praticar esporte, dançar ou cantar.

Manifestações de massa ocorreram também na União Soviética e outras ditaduras do século 20, lembra o professor. No Brasil, há o exemplo dos gigantescos encontros de canto orfeônico, popularizados por Villa-Lobos, durante a ditadura de Getúlio Vargas.

As ditaduras e a mídia

Quando se fala em música de massa, logo se tem em mente o papel que a mídia tem hoje na difusão musical, por exemplo na música pop. Perguntamos ao professor se este papel "massificador" da mídia pode ser comparado a uma ditadura.

Oliver Kautny acha que devemos ter cuidado neste tipo de comparação. Embora a economia global capitalista "dite" normas musicais, os pesquisadores restringem o termo ditadura aos regimes que possuem um partido único, utilizam métodos terroristas e mobilizam as massas.

Ou seja, em todas as ditaduras há uma forma de poder central, opressor, que não pode ser comparado à economia de mercado e à comunicação de massa.

Aspectos positivos da música em ditadura

Um dos aspectos surpreendentes, revelados pela pesquisa, é que existem aspectos positivos da música em regimes ditatoriais. Embora a ditadura não seja em si algo positivo, observa Kautny, surpreende a diversidade musical que existiu na China durante os anos mais duros do regime maoísta.

Outro exemplo é o da música erudita contemporânea na União Soviética, onde muitas obras foram proibidas, mas os concertos estavam sempre lotados. O público tinha uma sede imensa de música nova, que representava uma válvula de escape para as limitações da vida política. Hoje, o público russo – e o público ocidental de uma forma geral – estão "saturados" de ouvir música.