1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Traumas causam danos no cérebro

Thomas Wagner / mw20 de novembro de 2002

Cientistas alemães identificaram mudanças físicas no cérebro de vítimas de violentação e tortura. Terapia em teste tenta reverter danos que impedem o traumatizado a situar sua experiência no tempo e no espaço.

https://p.dw.com/p/2qm7
Exames verificaram anomalias no funcionamento em partes do cérebroFoto: AP

Mesmo depois de saradas as feridas físicas, pessoas que foram violentadas ou torturadas sofrem ainda com freqüência conseqüências psicológicas durante anos a fio. Na memória das vítimas, os traumáticos momentos parecem ter acabado de ocorrer. Psicólogos da Universidade de Constança, na Alemanha, estudaram o assunto e descobriram que as experiências traumáticas deixam um rastro no cérebro.

Frank Neuner, do grupo de pesquisas de psicologia da instituição, relata uma de suas recentes conversas com uma das pessoas que se dispôs a contar sua experiência. "A última mulher que entrevistei era uma paciente curda, que passou 15 dias numa prisão na Turquia, onde sofreu as piores torturas. Foi espancada várias vezes, recebeu eletrochoque e foi violentada. Isto há quatro anos. Ainda hoje ela sofre fortemente as conseqüências desta experiência", contra Neuner.

A pesquisa

– A curda é uma das 45 pessoas estudadas pelos cientistas de Constança, no extremo sul da Alemanha. Todas elas tinham um ponto em comum: foram submetidas a torturas graves e até hoje não conseguiram processar psicologicamente a experiência. A equipe de pesquisadores as entrevistou e examinou com métodos especiais de medição. Entre eles, o MEG – magnetoencefalograma.

"A gente mede as ondas magnéticas do cérebro com um aparelho, que se parece um pouco com um tomógrafo nuclear ou um grande raio-x. As ondas magnéticas surgem da atividade elétrica do cérebro. Da medição, tiramos conclusões sobre os processos cerebrais" explica Neuner.

As descobertas

– Através dos exames com o MEG, os pesquisadores de Constança fizeram uma emocionante observação. Em comparação com pessoas que se submeteram ao teste, mas não tinham experiências traumáticas, determinadas partes dos cérebros de vítimas de tortura apresentavam anomalias em seu funcionamento, segundo o psicólogo.

"É a região cerebral do lobo temporal médio e em ligação com outras estruturas cerebrais, como o hipocampus, responsável pela codificação das vivências pessoais em associação espacial e temporal", detalha Neuner.

Sobretudo a clara diminuição do hipocampus chamou a atenção dos cientistas alemães. A eles pareceu que a redução é responsável, especialmente, pelo fato de as vítimas de tortura não considerarem o contexto espacial e temporal quando se lembram das horríveis experiências por que passaram. Ou seja, no momento que as recordações vêm à tona, as vítimas as sentem como uma novidade real, mesmo que já tenham acontecido há anos. A regressão do hipocampus impede uma localização no tempo do episódio. Em paralelo, os psicólogos constataram, através do MEG, mudanças nos processos de ligações no cérebro.

Terapia experimental

– A partir das observações destas alterações orgânicas no cérebro, os pesquisadores desenvolveram um método de tratamento, a chamada terapia da exposição narrativa. Com ela, as vítimas de tortura aprendem, em longas conversas com os psicólogos, a colocar suas traumáticas experiências no devido contexto espacial e temporal, isto é, a compreender que os terríveis momentos que relatam ocorreram no passado e em outro lugar.

Coordenador do projeto, o professor Thomas Elbert parte do princípio que as unidades desta terapia da mesma forma provocam mudanças orgânicas no cérebro, mas de forma positiva. "Sabe-se que as estruturas da memória estão sempre se alterando plasticamente, também o substrato neuronal. As ligações entre as células são refeitas. E após algumas seções da terapia, no decorrer do relativo curto prazo de poucas semanas, tem-se condições de gerar alterações substanciais na arquitetura da rede", acredita o cientista.

Alterações que, conforme o objetivo dos pesquisadores da Universidade de Constança, devem fazer com que as vítimas de tortura não tenham mais de sofrer repetidamente com as cruéis experiências que viveram no passado.