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Tragédia de Lampedusa evidencia falhas da política europeia de refugiados

Karl Hoffmann, de Roma (rc)11 de outubro de 2013

Após enterrar os mortos da mais recente tragédia, o governo em Roma terá que decidir o que fazer com os sobreviventes. Itália e UE continuam sem saber como lidar com a questão dos refugiados.

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Os refugiados muitas vezes acabam em campos como este, na Sicília
Os refugiados muitas vezes acabam em campos como este, na SicíliaFoto: DW/K. Hoffmann

Sharif está sentado junto ao muro de concreto do campo de imigrantes Marina Granda, localizado no extremo oeste da ilha italiana da Sicília. O somaliano já vive aqui há um ano, após ter fugido de sua terra natal numa embarcação rumo à Europa. Após chegar a Lampedusa, ele foi levado para o local onde acabaria passando os próximos 12 meses.

"Ainda há problemas [na Somália], há guerra. Não sei quando acabará. Na Itália também é difícil para nós, mas ainda é melhor que em nosso país."

Sharif vive com mais cem homens num enorme dormitório. Ele tem permissão para deixar o campo, mas a cidade mais próxima – Trapani – está a quilômetros de distância. Ainda é incerto quando ele poderá dar início a uma nova vida.

A mais recente onda de refugiados fez com que o tempo necessário para o processamento dos pedidos de asilo dobrasse. O caso de Sharif poderá levar mais um ano para ser concluído. As autoridades italianas estão simplesmente sobrecarregadas.

Detidos sem direitos

Sharif precisa ter sobretudo paciência. A situação de outros refugiados é muito pior, em particular daqueles que se encontram detidos nos chamados CIE, ou Centros de Identificação e Expulsão.

À espera de uma vida nova na Europa
À espera de uma vida nova na EuropaFoto: DW/K. Hoffmann

De acordo com as autoridades, os imigrantes ilegais podem ficar detidos por até 18 meses, sem acusação formal, com a finalidade de identificá-los. Os que conseguem, tentam pular a cerca de quatro metros de altura ao redor do complexo e fugir.

Um habitante de Trapani-Milo, próximo a um desses centros, conta que um casal fugiu recentemente. "Isso acontece quase todos os dias. Não é possível mais dormir à noite por causa do barulho no campo. Gritos? Sim, eles gritam e se rebelam", relata.

O sistema de registro de imigrantes da Itália está completamente sobrecarregado. Enquanto o governo tenta deter a imigração ilegal com uma política de detenção, muitos refugiados conseguem fugir dos campos onde foram primeiramente recebidos ou detidos.

Os próprios guardas admitem abertamente que não têm capacidade para deter as fugas em massa de centenas de refugiados. Eles estão em menor número e também não querem lançar mão da força. Mesmo porque, aqueles que fogem abrem espaço – muito necessário – para as novas levas de detentos.

O ministro do Interior da Itália, Angelino Alfano, que pertence ao partido de centro-direita PdL, já anunciou a criação de mais campos de refugiados. Ele planeja reforçar as comissões que tratam dos pedidos de asilo e expandir as instalações que recebem os requerentes, para que possam abrigar até 16 mil refugiados em todo o país.

O ministro do Interior da Itália, Angelino Alfano, defende mudanças nas leis europeias
O ministro do Interior da Itália, Angelino Alfano, defende mudanças nas leis europeiasFoto: AP

Críticas à política de refugiados da UE...

No entanto, resta a dúvida se isso mudará o fato de que a maioria dos imigrantes ilegais na Itália tem como objetivo chegar a outros países da Europa. Por essa razão, Alfano lançou uma iniciativa para mudar a atual lei europeia, que estabelece que cada imigrante deve ficar no país aonde inicialmente chegou.

"A Sicília não é apenas fronteira da Itália, mas também fronteira externa da União Europeia", declarou Alfano. "Os que aqui chegam de barco não vêm para se banhar em nossas praias. Eles querem ir a outros países da Europa, chegar até seus parentes. Iremos fazer uma forte campanha para mudar a política europeia de asilo. A Europa não pode nos pedir para que cuidemos dos imigrantes sem levantar um dedo sequer para nos ajudar", reiterou o ministro.

Laura Boldrini, atual presidente do parlamento italiano e ex-porta-voz do comissário para refugiados da ONU em Roma, também fez críticas à política europeia após a recente tragédia na Ilha de Lampedusa.

A parlamentar apontou que cada um dos 28 países-membros da União Europeia tem a sua própria política para a questão dos refugiados. Se eles não aceitarem ceder parte de sua soberania, não se pode falar em União Europeia, acrescentou.

...assim como à política italiana

Mas também a Itália foi alvo de duras críticas. As leis italianas proíbem os pescadores de auxiliar refugiados enquanto os barcos deles ainda estiverem em condições de navegar. Espera-se deles que informem as autoridades em Roma, que então alertarão a Guarda Costeira. A demora implícita a esse procedimento pode ter custado várias vidas durante o desastre mais recente na costa de Lampedusa.

No entanto, poucos dias antes da tragédia, o ministro do Interior havia defendido essa mesma lei. "Não vamos permitir que a chegada de embarcações de refugiados se torne para nós um risco de segurança. A Itália é um país acolhedor, mas nossos cidadãos têm o direito de viver com segurança e liberdade."

Após a tragédia de Lampedusa, não restam dúvidas de que é preciso discutir também a segurança e a liberdade dos imigrantes.