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Extermínio pelo trabalho

16 de julho de 2010

Encerradas as indenizações aos trabalhadores forçados do nazismo, a fundação Memória, Responsabilidade, Futuro continua zelando pela memória das vítimas – vivas ou mortas. Seu orçamento é de 400 milhões de euros.

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Prisioneiros do campo de concentração de Dachau trabalham na produção de armasFoto: picture-alliance/dpa

Desde o ano 2000, 1,7 milhão de ex-trabalhadores forçados do regime nazista receberam um total de 4,4 bilhões de euros, em quantias individuais entre 2.500 e 7.700 euros. A verba foi levantada, meio a meio, pelo Estado alemão e por 6.500 empresas.

Após o pagamento das últimas indenizações, sete anos mais tarde, decidiu-se que a fundação Erinnerung, Verantwortung, Zukunft (EVZ – Memória, responsabilidade, futuro), criada para o ressarcimento dessas vítimas do nazismo, continuaria a funcionar. Afinal, não havia dúvida de que o cultivo da memória desse capítulo da história alemã e europeia não deveria se encerrar com os pagamentos.

Como recorda Günter Saathoff, membro da presidência da fundação, estava também claro não se tratar de um fenômeno puramente alemão, como prova o elevado número das pessoas recrutadas como escravas. "A mão-de-obra forçada foi um acontecimento europeu, e por isso merece mesmo ficar ancorado de forma duradoura na cultura da memória europeia, como elemento da história da injustiça."

Zwangsarbeiter Flash-Galerie
Fábrica de armas na PolôniaFoto: Bundesarchiv

Atividades intensas

O capital de 400 milhões de euros da EVZ serve para apoiar numerosos projetos, como encontros internacionais e conversas com sobreviventes e testemunhas de época. Somente do programa Europeans for Peace participaram mais de 100 mil jovens de 28 países. Vítimas do extremismo de direita e do antissemitismo também recebem ajuda. Ao todo, já se destinaram 56 milhões de euros para mais de 2.100 projetos.

Um foco de sua atuação é o apoio in loco aos ex-trabalhadores forçados e suas famílias. Importante é promover o respeito às vítimas e o reconhecer o seu destino. "No stalinismo, muitas vezes os trabalhadores forçados carregavam a mácula de traidores da pátria, vivendo durante décadas em desonra", exemplifica Saathoff.

Com apoio financeiro da Erinnerung, Verantwortung, Zukunft, o Museu Judaico de Berlim também realizará, no final de setembro, uma grande exposição sobre a mão-de-obra forçada no nazismo.

Hierarquia da monstruosidade

Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1º de setembro de 1939, a mão-de-obra foi ficando cada vez mais escassa na Alemanha. Os milhões de soldados que lutavam nos diferentes fronts europeus deixaram uma grande lacuna no mercado de trabalho. Até o fim da guerra, entre 8 e 12 milhões de homens e mulheres foram forçados a trabalhar para o Reich alemão.

Sobretudo no Leste Europeu, os métodos de recrutamento eram drásticos. Gerações inteiras foram convocadas e transportadas; homens e mulheres foram arrebanhados e deportados para a Alemanha, sem qualquer consideração por suas famílias.

Segundo a ideologia nacional-socialista, os povos eslavos eram considerados "sub-humanos", ocupando o ranque mais baixo da hierarquia racista. Em novembro de 1942, Hermann Göring, supremo comandante militar bastante próximo de Adolf Hitler, definiu da seguiinte forma as expectativas de vida dos trabalhadores forçados russos, cuja função era, principalmente, remover entulhos e quebrar pedras:

"Vestuário, alojamento, alimentação são um pouco melhores do que na terra deles, onde vivem, em parte, em tocas. [...] Como calçados, tamancos de madeira são a regra. [...] Os russos quase não conhecem, nem estão acostumados a usar roupa de baixo. [...] Em geral, a escala de punição oscila somente entre cortes de ração e execução ordenada por corte marcial."

Comparativamente, eram bem melhores as condições de vida dos trabalhadores nativos da Holanda, Bélgica, França ou países escandinavos, por se encontrarem mais próximos dos alemães na escala nazista dos povos "arianos".

Condições sub-humanas

A indústria alemã passou a depender inteiramente da mão-de-obra forçada. Em 1944, cerca de um quarto de todas as vagas de trabalho era ocupado por fremdvölkische (pessoas pertencentes a povos estrangeiros), muitos dos quais confinados nas instalações externas dos campos de concentração. Só Buchenwald tinha 136 dessas instalações.

Além disso, foram criados 30 mil campos para trabalhadores estrangeiros (fremdarbeiterlager), nos quais homens e mulheres viviam em condições terríveis. Isolados da vida pública, eles eram empregados em todos os ramos da indústria, expostos a desnutrição, jornadas prolongadas e maus tratos, por vezes fatais, no local de trabalho.

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Cartaz da época da Segunda Guerra MundialFoto: Bundesarchiv

Os mortos e os vivos

Uri Chanoch foi recrutado à força em 1941 na Lituânia, sendo deportado três anos mais tarde para a Alemanha, onde trabalhou em instalações bélicas e na produção do caça a jato Me 262, anunciado como "arma-prodígio".

"As condições eram cruéis: é o que se chamava de 'extermínio através do trabalho'. Nossas jornadas eram de 12 horas. Lá, não nos tiravam só as forças, nos tiravam tudo o mais. O sadismo dominava, éramos espancados, sempre espancados, espancados sem cessar. Centenas de pessoas caíam no concreto e eram soterradas. Era um ritual normal: ser enterrado no concreto."

Em muitos cemitérios da Alemanha, placas memoriais relembram que milhares de trabalhadores forçados perderam a vida no país, entre 1939 e 1945. Seu destino deve se manter tão presente na memória quanto o sofrimento dos sobreviventes. Isso foi o que enfatizou o então-premiê Gerhard Schröder em 14 de abril de 2000, ao apresentar no Parlamento a Lei de Indenização aos Trabalhadores Forçados do Nazismo:

"Ao criar esta fundação, não queremos por um ponto final na história, pelo contrário. Um dos gestos humanitários de justiça que devemos às vítimas é a promessa de não deixar seu destino cair no esquecimento."

Autor: M. Fürstenau / M. von Hellfeld / A. Valente
Revisão: Simone Lopes