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Testemunha lembra como viviam os refugiados judeus em Xangai

6 de fevereiro de 2013

Sonja Mühlberger nasceu em Xangai, para onde seus pais emigraram ao fugir do nazismo. Apesar das grandes mudanças em sua cidade natal, ela ainda encontra vestígios do passado.

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Foto: DW

"É emocionante estar de volta a Xangai, minha cidade natal, onde vivi até os oito anos de idade. No bairro onde morávamos surgiram muitos prédios novos. As ruas são hoje mais largas e arborizadas. A casa onde vivíamos não existe mais. No lugar, há um prédio enorme, com fachada de vidro. Mas nas ruelas da região ainda há muitas casas antigas. Reconheço algumas delas, onde viviam amigos ou conhecidos. Meus pais vieram para Xangai no ano de 1939. Na época, minha mãe estava grávida de mim.

Meus pais se conheceram nos anos 1930 na associação judaica desportiva Schild, em Frankfurt. Em 1938, meu pai foi deportado para Dachau. Minha mãe soube que havia apenas uma possibilidade de libertá-lo: ela precisaria apresentar uma documentação que provasse que ele iria emigrar. Xangai era, naquele momento, o único lugar ainda aberto aos judeus alemães. A cidade era mantida em parte por uma administração internacional. E para entrar ali e se estabelecer os estrangeiros não precisavam de qualquer permissão.

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Indo para a escola em XangaiFoto: Privatarchiv Sonja Mühlberger

Entretanto, as autoridades alemãs exigiam na época provas de que o emigrante de fato poderia entrar na China. Através de parentes, minha mãe conseguiu esta documentação do consulado chinês na Holanda. Meu pai pôde de fato sair de Dachau e os dois seguiram no dia 29 de março de 1939 para Gênova, a fim de tomarem ali um navio rumo a Xangai. Tenho ainda fotos de como eles nadavam na piscina do navio. Depois de todos os anos de opressão na Alemanha nazista, era a primeira vez que eles se sentiam novamente livres e felizes.

O distrito de Hongkou, no nordeste da cidade, era a região mais pobre de Xangai e para onde se dirigia a maioria dos refugiados. Eles não puderam levar nada da Alemanha, exceto uma mala. Eram pobres e mal tinham roupas. Quando criança, eu sempre tinha a impressão de que os chineses que ali viviam eram ainda mais pobres. Muitos não tinham nem mesmo sapatos. Ver essas pessoas sem calçados durante o inverno era para mim esquisito.

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Ruelas de Hongkou, em Xangai: lugar familiarFoto: DW/M. Bölinger

Lembro-me que uma vez caiu neve. Por sorte, meu pai estava em casa. E ele teve a brilhante ideia de subir no telhado da casa com uma vasilha para pegar um pouco da neve. Ele queria que eu conhecesse essa sensação. Minha mãe sempre lia contos de fadas alemães em voz alta. Naquele momento, a fábula da Branca de Neve ("branca como a neve") ganhou para mim pela primeira vez um significado real.

Lembro-me de uma certa saudade e insegurança por parte dos adultos, pois não se sabia o que tinha acontecido com os parentes na Europa. Meu pai ouvia regularmente notícias em diversas línguas. Certa vez ele enviou uma carta da Cruz Vermelha para os pais da minha mãe e a resposta chegou seis meses mais tarde. Ainda guardo esta carta, cheia de notícias positivas: "A Sonja está crescendo", escreveu meu pai. E meus avós responderam que estavam bem de saúde. Depois foram mortos em Theresienstadt.

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Carta vinda da Alemanha: último sinal de vida dos avósFoto: Privatarchiv Sonja Mühlberger

Em 1941, os japoneses assumiram o controle da cidade. A partir de 1943, todos os refugiados judeus foram obrigados a viver em Hongkou: todos os que vinham da Alemanha e da Áustria e eram naquele momento apátridas.

A Designated Area for Stateless Refugees (Área Designada para Refugiados Apátridas) era às vezes chamada de gueto, embora houvesse naturalmente diferenças em relação aos guetos europeus. Os refugiados da Alemanha viviam aqui junto de outras nacionalidades. Embora, ao contrário dos russos, chineses e japoneses, os refugiados judeus precisassem de um passe para poder deixar a área.

Para nós, a formação do gueto não teve consequências mais sérias, pois já vivíamos naquela região. Para outros, que moravam no setor francês, mais rico, foi difícil mudar para cá. Minha escola ficava do lado de fora, mas nós, crianças, podíamos passar sem problemas. Meu pai, porém, precisava de um passe para ir trabalhar. Ele ajudava um comerciante de ovos no setor francês. Mas ele conseguia esse passe sem problemas, pois lembro que o acompanhei várias vezes até lá.

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Identidade da mãe de Sonja no gueto: para sair, é preciso ter um passeFoto: Privatarchiv Sonja Mühlberger

Em 1947, meus pais resolveram voltar para a Alemanha. Meu pai diria mais tarde que queria reconstruir uma nova Alemanha democrática. Acho que ele queria isso de fato. No consulado soviético, ele recebeu uma permissão de entrada para Berlim Oriental. Minha melhor amiga já tinha emigrado para a Austrália e eu achava bom estar indo para a Alemanha. As malas estavam prontas e começava uma nova fase da vida.

Com alegria, eu contava para quem quisesse ouvir (ou não), que estávamos indo para a Alemanha. Entre os outros refugiados, contudo, meu entusiasmo nem sempre era compreendido. Voltar ao país dos assassinos era para muitos impensável. Certa vez um adulto chegou a cuspir em mim. Ele cuspiu em mim, uma criança, embora eu, na época, não fosse responsável pela decisão de meus pais. Nunca mais me esquecerei disso na vida.

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Infância feliz, apesar de tudoFoto: Privatarchiv Sonja Mühlberger

Mas penso que, apesar de tudo, tive uma infância feliz. Meus pais afastaram o que puderam de experiências negativas de mim e eram muito atenciosos comigo. Minha mãe contava histórias e cantava para mim. Meu pai respondia às minhas perguntas e me levava de bicicleta todos os dias para o jardim de infância e depois para a escola. Sim, posso dizer que tive uma infância protegida."

Depoimento concedido a Mathias Bölinger (sv)