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Terremoto político volta a paralisar o país

Malu Delgado de São Paulo
19 de maio de 2017

Um ano após impeachment de Dilma Rousseff, Brasil ameaça entrar em novo ciclo de paralisação. Resistência de Temer em renunciar sugere que a crise pode se arrastar por semanas ou meses.

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Brasilien - Korruptionsskandal - Michel Temer
Foto: picture alliance/AP Photo/E. Peres

O Brasil volta a viver, um ano depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a mesma sensação de paralisia diante de um cenário de alta instabilidade política. O presidente da República, Michel Temer (PMDB), afastou categoricamente a possibilidade de renunciar,o que significa que a crise pode se arrastar por semanas ou meses caso a Câmara abra processo de impeachment. Isso inviabiliza, na prática, qualquer votação do Congresso, como a reforma da Previdência.

Na noite desta quinta-feira (18/05), a avaliação do presidente era de que os áudios divulgados com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF), em que ele conversa por mais de meia hora com Joesley Mendonça Batista, presidente do conselho de administração da empresa JBS, não são comprometedores. A expressão usada pelo próprio presidente em conversas com jornalistas e aliados próximos foi "a montanha pariu um rato".

A revelação do áudio foi feita pelo jornal O Globo, na noite de terça-feira. A informação era de que o empresário relatava estar pagando o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha para manter seu silêncio e obteria o aval de Temer. "Tem que manter isso, viu!", diz o presidente.

O áudio

Joesley gravou a conversa com a anuência do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, pois os executivos da JBS fizeram acordos de delação premiada. Não se tratou, portanto, de gravação "clandestina", como afirmara o presidente em seu pronunciamento oficial na tarde desta quinta-feira.

Áudio da conversa entre Temer e Joesley Batista

O empresário foi ao encontro do presidente em março deste ano, tarde da noite, no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, mas onde Temer preferiu continuar morando após assumir definitivamente a Presidência. Nos cumprimentos, demonstram intimidade. No diálogo, ele fala para Temer que gostou do "esquema" para que possam se encontrar. Acerta que, quando precisar tratar de algo urgente com o presidente, podem usar o mesmo método. "Meia noite, onze da noite, eu venho aqui, meia horinha. Funciona super bem." E, na despedida, reitera: "Gostei desse método." O encontro não consta na agenda do presidente.

No trecho em que fala de Eduardo Cunha, Joesley é explícito sobre pagamento de propina. "Zerei tudo, liquidei tudo, e ele foi em cima, ele veio, cobrou, tal e tal." Termina dizendo que "está de bem com Eduardo", e então Temer aquiesce: "Tem que manter isso, viu". O empresário continua: "Todo mês".

Outro trecho comprometedor, talvez mais grave ainda que o caso de Cunha, é a parte em que Joesley conta que está "enrolado na Justiça, mas segurando as pontas". Ele relata, então, que ainda não tem denúncia formal e sinaliza que tem acordo com um juiz, "de um lado do juiz, dá uma segurada, do outro lado o juiz substituto". "Está segurando os dois?", pergunta Temer. Mais adiante, Joesley diz que conseguiu colocar um procurador de confiança na força-tarefa do Ministério Público para lhe passar informações.

Temer age com naturalidade. O presidente da República não tomou providências ao tomar conhecimento das ações de Joesley para afetar as investigações. Em nota, ele disse que não acreditou na veracidade das declarações de Joesley, que estava sob investigação.

Crise tucana

O desfecho da crise é imprevisível e dependerá de vários fatores. Dois são cruciais: a manutenção de apoio político a Temer, em especial por parte do PSDB, e a reação da sociedade. Havia especulações de que os ministros do PSDB entregariam o cargo. A delação de Joesley atingiu o coração do partido, tirando do cargo, por determinação do STF, o presidente da sigla, senador Aécio Neves. Ele logo se afastou também do comando do PSDB e foi substituído pelo senador Tasso Jereissati (CE). O ministro das Cidades, Bruno Araújo, chegou a anunciar a entrega do cargo, mas recuou. O partido está dividido.

O grande temor do PSDB é que a crise desemboque na convocação de eleições diretas, o que pode minar as chances do partido de voltar ao poder. Aécio é carta fora do baralho, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, apresentou um desempenho sofrível nas últimas pesquisas eleitorais, além de também ter sido citado na Operação Lava Jato. O partido, nos bastidores, tenta acertar uma sucessão de Temer por eleição indireta.

O PPS e o PSB estão desembarcando do governo. Oficialmente, porém, apenas Roberto Freire oficializou o pedido de demissão e deixou o Ministério da Cultura.

Protestos

Nesta quinta-feira, manifestações foram organizadas em pontos simbólicos das principais capitais, com pedidos de renúncia e convocação de eleições diretas. A adesão, no entanto, ainda foi pequena e não é suficiente para elevar a pressão para que o presidente volte a considerar a possibilidade de se afastar. O teste será no próximo domingo, quando estão marcadas manifestações, tanto de grupos que foram favoráveis ao impeachment de Dilma quanto das frentes que têm ligação com partidos de esquerda e movimentos sociais.

"É um momento extremamente delicado e extremamente grave", afirmou o cientista político José Álvaro Moisés, diretor científico do Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas da USP. "É um terremoto que está atacando os principais partidos brasileiros, o PT, o PSDB e o PMDB." Segundo ele, se ficar caracterizado que o presidente se associou a um ato de obstrução de Justiça, "aí o governo acabou".

O país está "pegando fogo", diz Andréa Marcondes de Freitas, professora de ciência política da Unicamp e pesquisadora do Cebrap. A adesão da população a protestos, até o momento, foi espontânea, mas a tendência é que a participação aumente em atos organizados. A professora prega que é preciso ter cautela. Ainda que o governo sustente que o áudio não deixa caracterizado um ato de obstrução à Justiça, Freitas pondera que o estrago está feito. "Do ponto de visto dos eleitores, importa pouco o conteúdo dos áudios. O que foi falado, já foi falado, e é isso que vai ter influência no número de pessoas que vão estar nas ruas nos próximos dias. Isso obviamente dificulta a manutenção do governo. De toda forma, essas coisas precisam de algum tempo e cautela."

A pressão popular pode abrir caminho para a votação de um impeachment, caso Temer se recuse a renunciar. Já foram protocolados, até a noite desta quinta-feira, cinco pedidos.