Tensão, ofensas e bate-boca marcam último debate
30 de setembro de 2022Em desvantagem nas pesquisas e com risco de perder já no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou nesta quinta-feira (29/09) uma postura de "vale tudo" no terceiro e último debate da campanha presidencial.
Já no primeiro bloco, o presidente se referiu a Luiz Inácio Lula da Silva como "presidiário" e "traidor da pátria", recorreu a teorias conspiratórias e chegou a gritar quando seu microfone estava desligado.
Lula, por sua vez, em contraste com seu desempenho discreto no primeiro debate, em 28 de agosto, reagiu e devolveu os ataques, mencionando as "rachadinhas" e as dezenas de compras suspeitas de imóveis pelo clã Bolsonaro, além dos escândalos na compra de vacinas e distribuição de verbas do Ministério da Educação.
Na saraivada inicial de ataques lançadas por Bolsonaro, até mesmo a TV Globo, organizadora do debate, foi alvo. "Eu acabei com a mamata da Rede Globo", disse o presidente, que chegou acompanhado ao debate com seu filho Carlos, que é apontado como o cérebro do "gabinete do ódio" bolsonarista.
Boa parte da troca de farpas entre o presidente de extrema direita e o social-democrata Lula ocorreu ainda no início do debate.
Curiosamente, Bolsonaro e Lula nunca se enfrentaram cara a cara. Todas os ataques e críticas ocorreram em direitos de resposta ou perguntas e respostas a outros candidatos. Pelo sorteio, apenas Bolsonaro teve a chance de dirigir uma pergunta a Lula, mas o presidente, em vez disso, escolheu questionar o nanico Felipe D’Avila (Novo). Já o petista não foi sorteado para dirigir perguntas a Bolsonaro.
O presidente também voltou a repetir mentiras de debates anteriores, como a afirmação de que não tem relação ou responsabilidade pelo "Orçamento Secreto" ou de que seu governo não atrasou a compra de vacinas.
O debate ocorreu poucas horas depois da divulgação de mais uma pesquisa Datafolha, que mostrou Lula com 14 pontos de vantagem sobre Bolsonaro e com o petista mantendo suas chances de vencer no primeiro turno.
Nas últimas semanas, Bolsonaro tem ameaçado não respeitar o resultado das urnas e reforçado ataques ao sistema eleitoral. No entanto, a postura golpista do presidente em relação ao processo democrático praticamente não foi abordada por seus rivais. Apenas a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) questionou se o presidente pretende liderar um golpe caso seja derrotado, mas Bolsonaro se esquivou e a senadora não voltou a insistir no tema.
Ao longo do debate, os sete candidatos presentes também raramente seguiram os temas sorteados. Perguntas que deveriam ser, por exemplo, sobre segurança pública, viraram troca de acusações sobre distribuição de cargos no governo federal.
Interrupções e gritos também foram frequentes, com o mediador William Bonner não escondendo sua frustração com o comportamento de alguns presidenciáveis, especialmente o candidato nanico "Padre" Kelmon (PTB), que agiu como provocador e sistematicamente desrespeitou as regras no seu papel de "linha auxiliar" de Bolsonaro ao longo do debate.
Lula também chegou a perder a paciência com Kelmon e chamou o candidato do PTB de "fariseu" e "candidato laranja".
Ao longo do debate, foram pedidos 19 direitos de resposta – quase o dobro do embate anterior. Dez foram concedidos – quatro favoráveis a Lula, quatro a Bolsonaro, um a Soraya e um a Kelmon.
Houve tensão até mesmo entre os candidatos nanicos, que registram 1% ou nem pontuam nas pesquisas. Soraya e Kelmon protagonizaram outra briga da noite, com a senadora chamando o candidato do PTB de "padre de festa junina".
Simone Tebet (MDB), a exemplo do que havia ocorrido nos dois debates anteriores, direcionou críticas a Bolsonaro. Apagado ao longo do embate, Ciro Gomes (PDT) apostou mais uma vez em distribuir críticas tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Felipe D'Avila (Novo), outro candidato nanico, preferiu direcionar ataques a Lula, mostrando convergência com Bolsonaro em diversas oportunidades.
Foram mais de três horas de debate. A tensão só começou a esfriar no quarto bloco, quando o debate já entrava na madrugada. Nessa etapa, Bolsonaro aproveitou para pedir votos a aliados e outros candidatos trocaram apenas perguntas burocráticas.
Bolsonaro ataca, Lula reage
"Nós não podemos continuar no país da roubalheira", disse Bolsonaro em uma pergunta dirigida ao aliado Kelmon, na primeira dobradinha da noite com o autoproclamado padre. O presidente também disse que o petista montou uma "quadrilha".
Lula reagiu. Ao ter um pedido de resposta atendido, Lula mencionou uma série de suspeitas que pairam sobre Bolsonaro, incluindo as acusações de roubo de salários de assessores que envolvem seu clã político e as dezenas de compras suspeitas de imóveis desde os anos 1990. "O presidente quando aparecer aqui, por favor, minta menos", disse Lula.
"Num debate entre pessoas que querem ser Presidente da República, o atual presidente tivesse um mínimo de honestidade. O mínimo de seriedade. Ele falar que eu montei quadrilha? Com a quadrilha da rachadinha dele que ele decretou sigilo de cem anos, com a rachadinha da família, sabe, do Ministério da Educação? Com barras de ouro? Ele falar de quadrilha comigo? Ele precisava se olhar no espelho e saber o que está acontecendo no governo dele", disse Lula.
"Mentiroso, ex-presidiário, traidor da pátria", rebateu Bolsonaro ao obter outro direito de resposta. "Que rachadinha? Rachadinha é os teus filhos roubando milhões. Tome vergonha na cara, Lula". Bolsonaro ainda afirmou que faz "um governo limpo, sem corrupção", embora sua administração tenha registrado diversos escândalos, como a "farra dos pastores" no MEC e acusações de propina da compra de vacinas.
Na sequência, foi a vez de Lula mencionar a série de sigilos de um século que o governo Bolsonaro decretou nos últimos quatro anos. "É uma insanidade um presidente da República vir aqui e dizer o que ele fala com a maior desfaçatez. É por isso que no dia 2 de outubro o povo vai te mandar para casa. E eu vou fazer um decreto acabando com o seu sigilo de 100 anos para saber o que tanto você quer esconder", disse Lula.
Fugindo de questionar Lula diretamente na escolha de adversários, Bolsonaro tentou usar outros candidatos para lançar ataques ao petista. Um deles foi Felipe D'Avila, do Novo. Bolsonaro questionou o liberal sobre se ele ficaria preocupado "se o governo cair na mão da esquerda". D'Avila prontamente aceitou fazer tabelinha com o presidente, criticando Lula e o PT.
O presidente tentou repetir a tática com Simone Tebet, trazendo o tema Celso Daniel para o debate. O assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) em 2002 é um tema que costuma ser explorado em círculos conspiracionistas de direita, que 20 anos depois ainda promovem acusações de que a cúpula do PT teve relação com o crime – algo descartado nas investigações.
Tebet, no entanto, não mordeu a isca lançada por Bolsonaro, e lançou uma provocação: "Falta ao senhor coragem para perguntar isso ao candidato do PT, que, segundo você, está envolvido no caso. Ele está aqui. Por que não pergunta a ele?".
A fala de Bolsonaro levou a um novo pedido de resposta de Lula. "Não é possível conviver com alguém com a cara de pau", disse o ex-presidente. "O Celso Daniel era meu amigo e foi o melhor gestor público que esse país já teve. A Polícia Civil e o MP já deram por encerrado [o caso], decidiram que é crime comum. Eu procurei o Fernando Henrique Cardoso e pedi para ele procurar a Polícia Federal, e você vem culpar o Lula pela morte de Celso Daniel? Seja responsável. Você tem uma filha de dez anos vendo o programa que você está fazendo, pare de mentir, o povo não suporta mais".
"Padre de festa junina" tumultua debate e irrita candidatos
Substituto do ex-deputado de extrema direita Roberto Jefferson, que teve sua candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, "padre" Kelmon tumultuou o debate em diversas oportunidades, evitando sistematicamente seguir as regras e lançando provocações para outros presidenciáveis.
Descrevendo todos os adversários de Bolsonaro como membros da "esquerda" – inclusive o liberal D'Avila –, Kelmon explicitou sua dobradinha com o presidente ao repetir, a exemplo do debate anterior, que o encontro consistia num "cinco contra dois".
Kelmon protagonizou dois bate-bocas: com o ex-presidente Lula e com a senadora Soraya. A candidata do União Brasil chamou Kelmon – que se apresenta e se veste como sacerdote ortodoxo mesmo não pertencendo a nenhuma igreja de comunhão ortodoxa no Brasil – de "padre de festa junina" e de "cabo eleitoral de Bolsonaro". Ela ainda perguntou se ele "não tem medo de ir para o inferno".
"O senhor está parecendo mais o seu candidato, que é nem-nem: Nem estuda e nem trabalha. O senhor não estudou. E dizer mais, não deu extrema-unção (para vítimas da pandemia) porque o senhor é um padre de festa junina. Não sabe nem o que é direita ou esquerda. Não sabe!", afirmou Soraya. Sem esconder seu desprezo pelo candidato do PTB que insistia em provocações, Soraya errou diversas vezes o nome de Kelmon, chamando-o de "Kelvin" e "Kelson".
Em outro momento, Kelmon protagonizou um bate-boca com Lula, com o petista se irritando com o candidato do PTB. "O senhor é um descondenado. Não deveria nem estar aqui como candidato", disse o candidato do PTB ao petista.
Os microfones chegaram a ser cortados e as câmeras evitaram mostrar a discussão, mas era possível ouvir Lula ao fundo dirigindo críticas ríspidas ao adversário.
"Não dá para debater com uma pessoa que tem um comportamento de um fariseu e se veste de padre. Não dá. Ou você aprende a respeitar e fecha a boca quando alguém estiver falando", disse Lula, ao recuperar o microfone. Ele também chamou Kelmon de "candidato laranja" e de "impostor". O mediador do debate, o jornalista William Bonner, demonstrou exasperação com o comportamento do "padre", pedindo que ele se calasse e apontando que ele deveria se ater às regras do debate. "Candidato Kelmon, não consigo entender. O senhor compreendeu que tem regras o debate?", disse o jornalista.
Nas redes sociais, usuários criticaram a participação de Kelmon, questionando por que a legislação eleitoral permite que um candidato substituto que registra traço nas pesquisas possa participar dos debates.
Embates secundários
Ciro, que ficou apagado ao longo dos diversos embates ao longo do encontro, chegou a ter um momento com ares de acerto de contas com Lula no início do debate. Em uma pergunta dirigida ao petista, Ciro perguntou sobre o endividamento das famílias durante o governo do ex-presidente. "Ciro, estou achando você nervoso", provocou Lula na resposta. "Você saiu do governo porque quis ser candidato federal contra minha vontade. Eu queria que você fosse para o BNDES. Você viveu no período do meu governo no momento de maior conquista social desse país", disse Lula na resposta.
"O mais grave é que parece que o presidente Lula não quis aprender nada com as amargas lições que tomou. Não dá para aceitar esse tipo de nonsense de que não aconteceu nada [fazendo referência à corrupção]. Não dá para fazer de conta que não aconteceu. Esse paraíso que ele descreve quando vem aqui resultou na tragédia do Bolsonaro", rebateu Ciro, que nas últimas semanas tem multiplicado ataques a Lula e ao PT e feito acenos para o eleitorado de direita.
Nos ataques de Ciro ao PT, sobrou até mesmo para o cantor Caetano Veloso, que recentemente declarou que havia desistido de votar no pedetista e que passaria a apoiar Lula. "Se nós pegarmos artistas, cientistas, e tal, todo mundo passando pano, e juntando Caetano com Geddel para ficar em dois baianos, esse país está mergulhado num conchavo absolutamente mortal", disse Ciro, colocando na mesma cesta o cantor com o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que foi flagrado escondendo R$ 51 milhões em espécie no caso do "bunker da propina" durante o governo Michel Temer.
Outro embate ocorreu entre Bolsonaro e a senadora Soraya. A candidata do União Brasil foi a única que questionou o presidente se ele pretende respeitar o resultado eleitoral caso seja derrotado. Bolsonaro evitou responder. A senadora ainda questionou o presidente se ele se vacinou. "Se o senhor se vacinou, qual foi a vacina e quantas doses?", perguntou a senadora.
Bolsonaro se esquivou novamente da pergunta e aproveitou para lançar ataques contra a senadora, lançando a acusação de que ela estaria insatisfeita com o governo por não ter conseguido emplacar aliados em cargos. "A senhora seria muito dócil comigo se eu tivesse atendido a senhora em todos os cargos que a senhora pediu para mim por ofício: Iphan, Ibama. O negócio da senhora gosta de cargos, deitar e rolar. Como não conseguiu, basicamente virou uma inimiga nossa", disse Bolsonaro.
Soraya reagiu e afirmou que seus indicados não foram efetivados porque não aceitaram ceder parte de seus salários, numa referência ao escândalo das rachadinhas que assombra a família Bolsonaro. "Dentro de apenas três cargos que eu pedi ajudar o meu Estado, consegui dois, mas eles (os indicados) não aceitaram fazer rachadinha", disse. Bolsonaro também acusou Soraya de ser uma "candidata laranja".
"Não sou candidata laranja, o senhor me respeite. Nem respondeu se tomou a vacina ou não, seu governo não é transparente. Saímos do seu governo porque o senhor não cumpriu as bandeiras que te elegeram", rebateu a senadora.