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Heróis ou criminosos?

15 de abril de 2011

Generais croatas Gotovina e Cermak condenados a 24 e 18 anos de prisão por crimes contra sérvios. Ativistas veem oportunidade para croatas encararem realidade da guerra e se conscientizarem do passado.

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Croatas assistiram ao pronunciamento da sentença ao vivo em ZagrebFoto: AP

O Tribunal das Nações Unidas para a Antiga Iugoslávia, em Haia, pronunciou nesta sexta-feira (15/04) a sentença contra três generais croatas de alto escalão. Ante Gotovina, Ivan Cermak e Mladen Markac eram acusados da expulsão de civis sérvios na operação "Tempestade", em 1995, durante na Guerra da Croácia. Os dois primeiros foram condenados a 24 e 18 anos de prisão, respectivamente, enquanto Cermak foi absolvido.

No país, a missão militar continua sendo vista como ato de libertação em relação aos rebeldes sérvios que se negavam a aceitar a independência da Croácia. Uma pesquisa de opinião confirmou que a maior parte da população não aceita que tenha sido cometido algum crime de guerra durante a operação: 60% inclusive acreditavam na absolvição dos réus.

As associações de veteranos, por sua vez, estavam menos otimistas. Antes mesmo da proclamação da sentença, já haviam anunciado protestos. Seu temor é que as condenações e penas rebaixem a operação "Tempestade" a condição de delito.

Flash-Galerie General Gotovina
Tribunal para a Antiga Iugoslávia, em HaiaFoto: dapd

Chance para a Croácia

Já os ativistas dos direitos humanos têm uma visão diferenciada desses processos contra heróis nacionais como Gotovina. Eles percebem aí uma chance para todos os envolvidos se confrontarem com o passado e perdoarem. Para os pacifistas, a condenação é antes um estímulo para que se realizem novos processos do gênero na ex-Iugoslávia, de modo que se possa superar o passado de guerra.

Vesna Terselic, diretora da ONG Documenta – Centro de Conscientização do Passado, reconhece que a sociedade croata está dividida em relação aos processos e também em outros aspectos.

Segundo pesquisas de opinião realizadas em 2006, 60% da população são a favor de processos por crimes de guerra, independente de quem os tenha cometido e de sua nacionalidade. Quando se tratam de processos concretos contra sérvios tendo croatas como vítimas, a maior parte se coloca do lado de seus compatriotas, contra o "agressor sérvio" – termo geralmente usado no contexto da Guerra da Croácia.

Entretanto, quando os réus são croatas, costuma-se questionar a neutralidade do tribunal, observa Terselic. Ele lembra ainda que, para individualizar a culpa, as cortes croatas julgam cerca de 20 inquéritos por ano.

Durante e após a operação "Tempestade" foram cometidos sobretudo crimes contra civis, os quais precisam ser esclarecidos. Segundo a Comissão de Helsinque na Croácia, dedicada à defesa dos direitos humanos, cerca de 600 pessoas foram assassinadas na época.

A diretora da ONG Documenta espera que a sentença encoraje futuras ações jurídicas: o julgamento de Gotovina e os demais generais é o último grande processo contra criminosos de guerra croatas diante do Tribunal de Haia, acrescenta.

A força dos veteranos

Segundo Terselic, Gotovina continua tendo grande apoio popular na Croácia, partindo sobretudo dos veteranos de guerra e de suas famílias. O país de 4 milhões de habitantes tem 500 mil veteranos,lembra ativista.

Antes de ser capturado em 2005, na Ilha de Tenerife, o ex-general era o mais procurado criminoso de guerra do país. Mesmo na clandestinidade, ele era celebrado como herói pelo croatas. Os outros dois réus, por outro lado, não contavam com tamanho apoio, e muitos croatas não acreditavam em sua inocência.

Também os políticos da Croácia são partidários. Nas últimas semanas, foi raro um partido não atacar a corte de Haia, acusando que seus inquéritos têm motivação política. Também os bispos católicos da Croácia participaram da manipulação da opinião pública, afirma Terselic.

General Gotovina und Cermak
Ante Gotovina (ao fundo, esq.) e Ivan CermakFoto: dapd

Acusações à mídia

Há mais de uma forma de ver a operação "Tempestade", admite Terselic. Por um lado, ela permitiu o retorno ao lar dos croatas expulsos da região durante as "limpezas étnicas" de 1991. Por outro lado, foram incendiadas mais de 22 mil residências de sérvios, povoados inteiros foram dizimados, civis assassinados.

"Mais de 150 mil pessoas deixaram a Croácia, em parte devido à proclamação da autodenominada República dos Sérvios na Bósnia, mas em parte também por medo em relação a sua segurança", recorda a ativista.

Ela critica também a mídia de seu país: a tevê croata de direito público não teria cumprido sua função, ao noticiar de forma irregular sobre os processos contra Gotovina-Cermak-Markac. Além disso, foi a única emissora pública dos países da ex-Iugoslávia a não transmitir os julgamentos ao vivo.

"A opinião pública croata está mal informada sobre o transcorrer dos processos. A população não pôde acompanhar os depoimentos das testemunhas. Ela simplesmente não tem informações concretas sobre a gravidade dos crimes cometidos, e não tem como formar uma opinião própria. Além disso, o tribunal nem ao menos divulgou as transcrições em croata, mas só em inglês", censura Vesna Terselic.

Autoria: S. Bogdanic / M. Dikic / A. Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer