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Rostock ainda lida com trauma da violência xenófoba

Kate Brady md
22 de agosto de 2017

Ataques incendiários a abrigo de imigrantes, há 25 anos, foram mais grave ação de extrema direita na Alemanha desde a Segunda Guerra. Apesar da triste lembrança, moradores dizem que é importante não esquecer.

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Rostock Lichtenhagen 1992
Polícia interveio com rigor e deteve agressores, mas somente conseguiu controlar a situação depois de vários diasFoto: picture-alliance/AP Photo/J. Finck

"A situação nunca deveria ter chegado a esse ponto", comenta a senhora Kosfelder, que carrega sua bolsa de compras a caminho do supermercado. "Os políticos nos abandonaram naquele verão."

A aposentada de 77 anos estava entre os residentes alemães do edifício – conhecido como "prédio do girassol" devido à pintura da fachada – que testemunharam a escalada da violência de extremistas de direita entre os dias 22 e 26 de agosto de 1992 no bairro de Lichtenhagen, em Rostock.

O bloco de apartamentos foi palco da maior violência de extrema direita na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial. Além de alemães, ele abrigava também vietnamitas, contratados para trabalhar no país na época da Alemanha Oriental, e refugiados, que estavam num centro de acolhimento.

Atentado xenófobo de Rostock-Lichtenhagen chocou a Alemanha

Em 22 de agosto de 1992, cerca de 2 mil pessoas se reuniram em frente ao bloco de apartamentos e começaram a atirar pedras. No dia seguinte, a violência aumentou quando centenas de notórios extremistas de direita se deslocaram de várias regiões da Alemanha para apoiar os agressores.

O prédio foi atacado com objetos em chamas. Várias pessoas assistiam aos acontecimentos, e muitas delas entoavam slogans de extrema direita, como "A Alemanha para os alemães! Fora estrangeiros!"

Na terceira noite, a polícia deixou o local depois de ser atacada. As autoridades somente conseguiram controlar a situação nas primeiras horas de 26 de agosto, com jatos d'água.

Mosaico da fachada, com girassóis
Mosaico da fachada, com girassóis, pode ser visto de rodovia nos arredores do prédioFoto: DW/K. Brady

Hoje, os blocos de apartamentos estão amplamente renovados, o mosaico de girassóis na fachada do edifício está limpo e pode ser visto desde a rodovia existente nos arredores. Muito longe parecem estar as imagens que percorreram o mundo há 25 anos, de um edifício em chamas, atacado por coquetéis molotov e de janelas estilhaçadas.

Extremistas oportunistas

Nos dias que antecederam a violência, o número de refugiados romenos que acamparam em frente ao prédio aumentara significativamente, com muitos deles instalados diante do centro de acolhimento.

"Era um verão muito quente", recorda a senhora Kosfelder. "Imagine colchões por todos os lados, fraldas sujas, lixo. Não duvido por um segundo que o prefeito tenha passado por ali vendo aquilo todos os dias. Mas os políticos fizeram alguma coisa? Não."

"A falta de ação por parte das autoridades permitiu que extremistas de direita se aproveitassem da situação", diz a aposentada. "Essas pessoas procuram violência e encontraram uma oportunidade."

Vinte e cinco anos depois, a aposentada diz que políticos e autoridades ainda têm muito a aprender. "Os problemas ainda não são abordados no tempo devido. Basta olhar a violência no futebol na semana passada. Muitos desses chamados ultras já são fichados na polícia. Porque nenhuma ação foi tomada para evitar essa violência?"

Ralf Mucho diante de monumento
Político Ralf Mucho diante de um dos novos monumentos que lembram a violência xenófobaFoto: DW/K. Brady

O senhor Ströber, que tem uma loja no prédio, assistiu aos tumultos de 1992 pela televisão. Ele diz acreditar que uma repetição do que aconteceu na época pode ser possível. "O principal problema é o nosso sistema de Justiça", afirma.

Ele defende a necessidade de mais repressão aos grupos de extrema direita. "Muitos desses extremistas afirmam que passam necessidade enquanto os migrantes recebem tudo de graça. Mas eu geralmente pergunto a eles: 'Quanto em impostos você pagou na sua vida? Por quantos anos você recebeu assistência social?' As pessoas que precisam dela têm mais do que o direito de receber. Mas há muitas pessoas que abusam do sistema, e isso vale tanto para os alemães quanto para os migrantes", diz.

Extremismo de direita no Leste

O ativista Matthias Siems, da associação Bunt statt Braun (colorido em vez de marrom), no entanto, diz que uma repetição de um agosto de 1992 é improvável, já que hoje muitos alemães assumem mais responsabilidade em suas comunidades locais. "As pessoas são mais ativas na sociedade civil", diz Siems. "Após a Reunificação não havia iniciativas civis. Muitos clubes e associações fecharam."

Siems admite, no entanto, que o extremismo de direita continua a ser um problema, particularmente no leste da Alemanha. "Temos um problema aqui que você não pode comparar com nenhum lugar no oeste da Alemanha. Ainda há trabalho a ser feito, começando com projetos nas escolas. Ainda há preconceitos e opiniões falsas. Mas um pogrom como o de 1992 não deve mais acontecer."

A estatísticas mostram que a violência de extrema direita aumentou em toda a Alemanha. Em 2016 foram registrados mais de 22 mil casos em todo o país, um aumento de quase 6 mil em cinco anos.

Prédio exibe janelas estilhaçadas e marcas de incêndio na fachada, após ataques
Imagens da destruição após os ataques foram vistas em todo o mundoFoto: imago/R. Schober

Medos de estigmatização

Como parte dos eventos para lembrar o aniversário de 25 anos do ataque, cinco novos memoriais, que custaram um total de 50 mil euros, estão sendo inaugurados esta semana. Residentes do bairro de Lichtenhagen, o comerciante Ströber e a aposentada Kosfelder, dizem apreciar a necessidade de se lembrar dos eventos, mas ambos acreditam que o dinheiro poderia ser melhor empregado em outros lugares, por exemplo na infraestrutura de Rostock.

"Alguns críticos também reclamaram que os memoriais estigmatizam o bairro de Lichtenhagen", diz o político local social-democrata Ralf Mucha. "Não se detenha no passado, aprenda com ele."

Wolfgang Richter, no entanto, diz que é importante que as pessoas sejam lembradas do verão de Lichtenhagen, há 25 anos. Como responsável pelo centro de refugiados na época, Richter testemunhou a violência e ajudou dezenas de residentes vietnamitas a se abrigarem no telhado do prédio de dez andares para escapar da violência.

"É raro o dia em que eu dirijo pela estrada e tenha coragem de olhar para o prédio", diz. Mas, apesar das lembranças difíceis, a história deve ser lembrada para que não se repita, argumenta. "Hoje há uma geração que não sabe nada desses eventos. É importante que eles saibam o que aconteceu aqui. Isso não significa ficar preso ao passado, mas aprender com ele."