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Robô interrogador evita indução de testemunhas de crime ao erro

Ivana Ebel1 de abril de 2013

Diante de ser humano, expectativa de responder de forma colaborativa torna a memória de um fato menos precisa. Quando é uma máquina que interrroga, testemunhas tendem a manter-se mais fiéis às próprias memórias.

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Foto: Mississippi State University

Muitos processos criminais têm seu desfecho a partir do depoimento de testemunhas oculares. Teoricamente, quem presenciou o fato narra com certa exatidão tudo o que viu a outra pessoa que faz as perguntas. Um estudo inédito, comandado por pesquisadores da Universidade Estadual do Mississipi, nos Estados Unidos, quis saber qual a reação das testemunhas quando interrogadas por um robô.

A descoberta surpreendeu os cientistas: a descrição dos fatos a um interrogador de carne e osso pode não ser tão precisa como se supunha. Em um teste prático, os entrevistadores foram substituídos por robôs e, diante da máquina, as respostas das testemunhas apresentaram um grau de precisão muito maior. Os cientistas discutem agora o porquê desse desvio na precisão das respostas dadas a entrevistadores humanos.

O estudo foi apresentado recentemente na Conferência Internacional de Interação Homen-Robô, em Tóquio, no Japão. “Acreditamos que esse desvio aconteça por conta de um fenômeno chamado demanda social”, adianta uma das pesquisadoras da equipe, Cindy Bethel. Ela explica que, ao participar de um interrogatório, as pessoas tendem a ser mais cooperativas. "Ou não querem criar problemas para o entrevistador ao responder a coisa errada", sugere.

Conversa com humanóides

No experimento, 101 voluntários viram cenas de um crime em slides, sem qualquer tipo de narração. Na sequência, todos os participantes interagiram com o robô humanoide NAO por meio de um jogo. Na próxima etapa, o grupo foi dividido. Uma parte foi questionada por seres humanos, a outra foi interrogada pelo pequeno NAO, que serviu como interface para entrevistadores escondidos – uma técnica bastante usada na robótica, chamada de Mágico de Oz. Os dois grupos responderam às mesmas perguntas.

Presença do humanóide interfere menos na memória
Presença do humanóide interfere menos na memóriaFoto: Nao Next Gen/Aldebaran

Posteriormente, os dois grupos receberam novas informações sobre o crime: algumas testemunhas foram alimentadas com detalhes reais do evento. Outras, com informações desencontradas. Ao fim da entrevista, as testemunhas responderam a um questionário para avaliar a memória dos fatos mostrados inicialmente, na sequência de slides.

A pesquisa descobriu que testemunhas ouvidas por humanos – e que receberam informações subsequentes corretas – conseguiram lembrar até 43% do fato. Mas quando o entrevistador apresentou dados falsos durante a conversa, essa precisão caiu para 26%.

Diante do robô, as testemunhas conseguiram relatar o fato com 38% de precisão, independente do tipo de informação posterior que tinham recebido, se correta ou distorcida. Os dados sugerem que existe uma influência muito menor na memória quando as informações equivocadas são apresentadas por um robô.

Cena de ficção

A pesquisadora ainda considera prematuro o uso do modelo para situações reais. Ela explica que a pesquisa está em estágio inicial e que novos testes precisam ser feitos. De qualquer forma, os resultados parecem promissores. "É clara a implicação dessa descoberta quanto à veracidade dos testemunhos em processos criminais. A memória de um evento testemunhado pode ser prejudicada pela exposição a informações enganosas após esse evento", afirma o artigo científico.

O trabalho deixa claro que é impossível evitar que a testemunha seja influenciada pelo questionamento ao longo de um inquérito policial, ou mesmo pelo contato com notícias ou comentários de outras pessoas. A sugestão, nesse caso, está na eficácia do uso do robô entrevistador. Em laboratório, a comunicação com a máquina revelou uma reconstrução dos fatos com muito mais precisão. Mas nas delegacias, por hora, essa é ainda uma cena de ficção.