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Rir é a melhor arma

Augusto Valente8 de abril de 2003

É correto fazer piada com a desgraça alheia? E com a própria? No mundo inteiro, o fogo dos humoristas contra a guerra dos EUA no Iraque é cada vez mais acirrado.

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Indignação não exclui humor: trabalhador turco protesta contra a guerra no IraqueFoto: AP

De acordo com o pesquisador especializado em humor Reiner Foerst, existem duas posições básicas quanto ao assunto, bem polarizadas: "Uns dizem que, por princípio, não se deve brincar com acontecimentos dolorosos, como acidentes, doenças e guerra. Segundo outros, não se deve jamais perder o humor, pois ele ajuda a superar muitos sofrimentos".

A monstruosa farsa da guerra no Iraque não está sendo poupada da sede universal de riso. O site russo www.anekdot.ru a comenta com anedotas como esta: "O que têm em comum Saddam Hussein e o combatente dos índios General Custer? Ambos querem saber de onde estão vindo esses malditos tomahawks voadores".

Mesmo nos Estados Unidos, onde a maioria da população apóia Bush e o curso da guerra, certos exemplos do humor antibélico e anti-Bush são bem mais efetivos e mais políticos do que boa parte das manifestações a sério. O Daily Times online zomba: "Segundo a CNN, já existe um plano para o Iraque pós-guerra: o país será dividido em três zonas: comum, tipo C e premium".

O site especializado em sátiras Comedy Central adverte: "Não acredite em nada que você lê, a menos que se trate de um panfleto lançado por um caça dos EUA!". Um de seus colaboradores, o humorista Jon Stewart, disseca com cinismo as notícias manipuladas pelo Pentágono: "Nós encontramos o 'colt fumegante': ele é a prova. Encontramos as armas de destruição em massa de que precisamos como pretexto para invadir o Iraque. Só há um problema: elas estão na Coréia do Norte!".

A Alemanha não é mais a mesma

Harald Schmidt
Harald Schmidt, favorito do riso alemãoFoto: AP

E a onda de riso à base de bombas, petróleo e fundamentalismo já atingiu a tradicionalmente tão sisuda e politicamente correta Alemanha. O famoso animador Harald Schmidt prometeu em seu show noturno a solidariedade do futebol da Bundesliga para com o presidente norte-americano: a partir de agora, os gols contra passam a chamar-se friendly fire. Saddam, Bush e companhia também povoam as páginas do site Zyn!, auto-intitulado o único magazine satírico alemão, cujo lema é: "Piedade não nos leva a nada". E o jornal Hamburger Abendblatt resolveu sumariamente a questão "É permissível rir em tempos de guerra?", pontificando: "Vamos simplesmente rir, e pronto".

Aliás, decididamente o país dos poetas sofredores e pensadores profundos não é mais o mesmo: enquanto em 1991 seu mais animado Carnaval, o de Colônia, foi cancelado sem pestanejar, devido à primeira guerra do Golfo Pérsico, este ano os carnavalescos já anunciavam desde janeiro que não iriam renunciar à folia, não importava o que acontecesse. O próprio Schmidt suspendera seu show em decorrência dos atentados de 11 de setembro de 2001. Agora, não há tanque de guerra que o detenha.

O professor de Psicologia na Universidade de Zurique e presidente da Sociedade Internacional de Estudos sobre o Humor, Willibald Ruch, vê a situação de forma positiva. Sem dúvida, o humor ajuda a vencer o incompreensível, e não só no tocante à guerra: "Ele é um meio freqüente para elaborar vivências com o horror", explica.

A hora da desforra

Reiner Foerst também defende a atual onda de alacridade: o alvo das anedotas não é a guerra em si ou o sofrimento, "mas sim certos indivíduos e suas fraquezas". Ele não deixa de reconhecer a presença de um outro componente: "É claro que o prazer maldoso com a desgraça alheia aumenta o efeito de uma piada". Por exemplo, o gosto nas dificuldades dos aliados, que o site russo anekdot deixa transparecer: "Acabam de chegar notícias do primeiro caso de um piloto norte-americano recusar-se a bombardear postos britânicos".

Na Grécia, a imagem dos EUA não é das mais positivas, pois muitos ainda acusam a superpotência de haver apoiado a ditadura militar de 1967 a 1974. Um ressentimento que transparece em chistes como o seguinte: "Caiu um avião com George Bush e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, a bordo. Quem sobrevive ao acidente? Resposta: o mundo inteiro".

Titelbild Spiegel "Die Bush Krieger"
"Os guerreiros de Bush"

Tampouco os franceses poupam os senhores de guerra ianques. O jornal Le Monde dirige-se diretamente ao presidente Bush com uma promessa de atratividade questionável: "Renda-se, e nós lhe garantimos um salvo-conduto e asilo político no Afeganistão".

Mau gosto não se discute?

O estudioso do humor Foerst não vê nenhum problema em que se expresse uma opinião política em forma de anedota, mantido o bom nível. Ele ressalta que a piedade e o bom gosto impõem fronteiras à piada. As quais, no entanto, nem sempre são respeitadas: "Se um humorista pesa demais a mão, então a coisa torna-se repulsiva".

A imagem de um esqueleto com o carimbo "Return to sender", ornamenta a homepage de Titanic, "o definitivo magazine satírico alemão". O ícone se refere à petição da deputada do Congresso Ginny Brown-Waite, de que os restos mortais dos soldados norte-americanos caídos em solo alemão durante a Segunda Guerra Mundial fossem trasladados para a pátria. Os redatores de Titanic exortaram seus leitores à colaboração sem fronteiras: "Caso não encontrem ossos, por favor enviem alguns de galinha, porco ou vaca".

Diante da preocupação dos assessores da deputada, expressa ao Frankfurter Rundschau, de que seu escritório ficasse soterrado pela macabra correspondência, Titanic modificou ligeiramente sua campanha de solidariedade: os ossos devem ser expedidos diretamente à Casa Branca, sob a rubrica "The boys are coming home". Em consideração ao presidente norte-americano, deve ainda constar, bem legível, o aviso: "O conteúdo deste pacote não é para fins alimentares".