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Refugiados sírios voltam a cidades destruídas pela guerra

7 de agosto de 2017

Há semanas centenas de refugiados sírios retornam a suas cidades de origem. Muitos não estão convencidos da decisão. O principal beneficiário da volta é o regime do presidente Bashar al-Assad.

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Sírios retiram escombros de rua em Aleppo
Sírios voltam a bairro de Aleppo, destruída pela guerraFoto: picture-alliance/dpa/S. Kremer

A reconquista do território perdido está evoluindo na Síria; o regime do presidente Bashar al-Assad recuperou dos rebeldes vilarejo por vilarejo, zona por zona.

Em dezembro de 2016, sob pressão dos militares sírios, os dissidentes recuaram para a zona oeste da cidade de Aleppo, no norte do país. Em março último, eles perderam seu antigo bastião, Homs (oeste), para as forças governamentais.

Os rebeldes foram rechaçados em quase todas as grandes cidades do país. Para o regime de Assad, parece ter chegado a hora de melhorar a própria imagem, tanto interna quanto internacionalmente.

Leia também: Entra em vigor cessar-fogo no sudoeste da Síria

Por isso, o governo exortou os cidadãos do bairro de Al-Waer, em Homs, a voltarem a suas casas. Cerca de 600 atenderam ao pedido. Todos estavam no campo de refugiados de Zoghra, no nordeste de Aleppo. Desde que o bairro foi reconquistado pelo Exército Livre da Síria, há algumas semanas, eles ousaram retornar.

O magazine digital Al-Monitor, especializado na política do Oriente Médio, noticia que os refugiados chegam em grupos às vezes pequenos, às vezes maiores. Porém ainda nem todos conseguiram se decidir: segundo o magazine, os 600 que voltaram originalmente faziam parte de um grupo maior, de mil refugiados. Cerca de 400 teriam desistido retornar, ao ver o bairro em escombros.

Deslocados internos sírios chegam a campo provisório de refugiados em Ain Issa (maio 2017)
Deslocados internos sírios chegam a campo provisório de refugiados em Ain Issa, em maio de 2017Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman

Retorno à rotina?

Para o regime sírio, contudo, aqueles que voltaram a Homs representam um sucesso, pois Assad pode dizer que está apoiando os cidadãos sírios em sua volta a casa, mesmo os que antes combateram ao lado da oposição (laica). "O regime está tentando usar esse retorno como prova de que tudo voltou ao normal, tanto em Al-Waer quanto nos outros bairros", escreve o Al-Monitor.

Por outro lado, pelo menos parte dos refugiados não está voltando voluntariamente. Alguns dos que atenderam ao pedido do governo denunciaram condições precárias de higiene e saneamento no campo de Zoghra, com capacidade para abrigar 7.500 pessoas. Nem mesmo a alimentação dos refugiados é garantida no local. Portanto esse seria o motivo principal por trás do retorno a Al-Waer.

Vitória de alto valor simbólico

Refugiados sírios também voltaram para outros lugares da Síria. Um deles é Dabiq, local com alto valor simbólico. A pequena cidade no norte do país, na fronteira com a Turquia, tem posição de destaque na mitologia do "Estado Islâmico" (EI). A organização terrorista evoca um hadiz – coleção de declarações e ações atribuídas ao profeta Maomé – segundo o qual uma batalha decisiva entre muçulmanos e seus inimigos teria se travado em Dabiq.

Dezenas de milhares deixam leste de Aleppo

Dabiq foi conquistada pelo EI em agosto de 2014, sendo retomada pelo Exército sírio em outubro de 2016. Os primeiros habitantes voltaram a ela no início deste ano, e tentam retomar o antigo cotidiano, reconstruindo a infraestrutura e fundando até um clube de futebol local.

O EI proibira esportes e lazer em seu território de domínio, e infrações eram severamente punidas. Assim, significado da criação do clube de futebol vai muito além tanto das fronteiras da localidade como das do esporte. Dessa maneira os que retornaram sinalizam, acima de tudo, que a normalidade está restabelecida.

Refugiados sírios no campo de Ain Issa
Retorno de refugiados sírios aos locais de origem pode beneficiar imagem do presidente AssadFoto: Getty Images/AFP/D. Souleiman

ONU denuncia precariedade da segurança

De acordo com a rede televisiva Al-Jazeera, do Qatar, cerca de 500 mil deslocados internos retornaram a suas cidades de origem na Síria. A esse número somam-se mais cerca de 250 mil retornados do exterior.

Desde o início de maio, quando a Rússia, Turquia e Irã entraram em acordo sobre o estabelecimento de zonas de proteção, a violência no país regrediu sensivelmente, informa o enviado especial das Nações Unidas para a Síria, Staffan de Mistura.

Mesmo assim a agência da ONU para os refugiados (Acnur) não recomenda um retorno sem restrições ao país, alerta De Mistura. "Ainda é incerto se a melhora da situação de segurança é duradoura. Portanto permanecem riscos consideráveis no caminho de um retorno voluntário seguro e digno."

Além disso, a ONU ainda não teria como chegar a várias regiões da Síria. "O acesso aos deslocados internos da Síria ainda é um dos nossos maiores desafios", explica De Mistura.

Mudança de política dos EUA?

Mesmo assim, acumulam-se indícios de que o retorno de refugiados à Síria se intensificará no futuro. No fim de julho, os Estados Unidos divulgaram que a agência de inteligência americana CIA encerraria o programa de treinamento para combatentes da oposição síria.

Segundo o jornal Al-araby Al-Jadeed, esse seria um indício de que Washington se conformou com a permanência de Assad no poder. Mais ainda: "Os EUA se dizem neutros, mas sua política indica que estão aceitando as ideias russas [sobre a Síria] e, indiretamente, apoiando Assad."

A guerra na Síria ainda não chegou ao fim. No entanto o retorno dos refugiados é uma advertência de que o regime Assad ganha cada vez mais dominância.

Kersten Knipp
Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.