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Ratos como arma contra o contrabando

Tony Carnie ip
3 de abril de 2018

Há séculos cães farejadores ajudam a rastrear traficantes de vida selvagem, mas quando o espaço é limitado, ratos gigantes da África podem ser ideais para o trabalho de farejador.

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Roedores da espécie Cricetomys gambianus são nova arma no combate ao contrabando de vida selvagem
Roedores da espécie Cricetomys gambianus são nova arma no combate ao contrabando de vida selvagemFoto: Apopo

Num campo de treinamento nas profundezas da Tanzânia, um esquadrão de elite de farejadores é treinado para combater o contrabando internacional de vida selvagem. Pesando pouco mais de um quilo cada, ratos gigantes africanos participam de um treinamento intensivo na cidade de Morogoro, a oeste de Dar es Salaam.

Incentivados por bananas, manteiga de amendoim e outras guloseimas, os roedores da espécie Cricetomys gambianus são ensinados a detectar a presença ilegal de vida selvagem e produtos madeireiros escondidos em navios e contrabandeados a partir dos principais portos da África para clientes na Ásia, Europa e outros lugares.

Embora seja possível que os roedores terminem com minicâmeras GoPro presas na cabeça, sua principal arma foi conferida pela natureza: um olfato aguçado. Eles podem ser treinados para farejar praticamente tudo, desde explosivos de TNT até primeiros sinais de tuberculose em humanos.

A outra grande vantagem é seu tamanho: ao contrário dos cães farejadores, os ratos gigantes africanos podem se espremer em espaços exíguos – como contêineres carregados de madeira de lei ilegal, disfarçada embaixo de outros produtos para despistar os funcionários da alfândega.

Rato farejador
"Há algo suspeito aqui": rato farejador indica que encontrou algoFoto: Apopo

De minas e tuberculose à caça predatória

No futuro, ratos farejadores também poderão ajudar a desmascarar o contrabando de chifres de rinocerontes. Como confirmou a ministra do Meio Ambiente da África do Sul, Edna Molewa, pelo quinto ano consecutivo, mais de mil rinocerontes foram mortos no país em 2017.

Em Morogoro, antepassados dos atuais ratos recrutas já provaram seu valor ao farejar minas terrestres abandonadas, assim como casos de tuberculose em seres humanos, num projeto pioneiro da organização sem fins lucrativos belga Apopo.

Agora o projeto está se ramificando, para verificar se os ratos também podem ser usados na contenção do fluxo bilionário de animais e plantas promovido por organizações criminosas internacionais.

Estudos da Interpol e do órgão ambiental da ONU Unep sugerem que crimes ambientais transnacionais – extração ilegal de madeira, tráfico de animais silvestres, pesca ilegal, mineração e despejo de lixo tóxico – alcançaram um valor anual entre 70 bilhões e 213 bilhões de dólares.

Há pouco mais de um ano, a Endangered Wildlife Trust (EWT), sediada na África do Sul, anunciou uma parceria com a Apopo num projeto piloto para detectar tráfico ilegal de pangolins (espécie semelhante ao tatu-bola) e de madeira.

Cindy Fast, chefe de treinamento no laboratório da Apopo em Morogoro, relata que diversos ratos completaram as fases iniciais de um programa rigoroso, embora o progresso tenha sido retardado por obstáculos legais na obtenção de escamas de pangolim para treinar os ratos gigantes.

Ainda assim, os roedores têm trabalhado duro, aprendendo a sinalizar a diferença entre ébano africano e até 18 outros itens comumente usados para mascarar o odor dessa madeira no transporte marítimo, como grãos de café e têxteis.

Cindy Fast, da UCLA, conduz experimentos comportamentais com várias espécies animais há mais de dez anos. Desde 2016 é instrutora-chefe no centro de treinamento da Apopo na Sokoine University of Agriculture
Cindy Fast, da UCLA, conduz experimentos comportamentais com várias espécies animais há mais de dez anos. Desde 2016 é instrutora-chefe no centro de treinamento da Apopo na Sokoine University of AgricultureFoto: Apopo

Escola para ratos farejadores

Ao treinar um rato para encontrar e chamar a atenção de humanos sobre algo suspeito escondido num contêiner de remessa, bananas e manteiga de amendoim ajudam muito, explica Fast.

O treinamento começa muito cedo para os filhotes, que são socializados com os humanos por uma ou duas semanas antes de serem desmamados das mães, às seis semanas de vida.

A primeira fase envolve o "treinamento de clique", onde os ratos jovens são ensinados a associar uma recompensa alimentar ao som emitido por um dispositivo metálico manuseado pelo treinador humano.

Os treinadores observam os ratos de perto enquanto eles correm por uma câmara de vidro feita sob medida. Dentro dela há uma longa bandeja de metal com dez compartimentos separados, todos contendo diferentes itens-alvo, com pequenos orifícios que permitem aos ratos darem uma boa cheirada no que estão procurando.

Rato farejador Isaac no "corredor dos odores"
Rato farejador Isaac no "corredor dos odores"Foto: Briana Marie

Durante os estágios iniciais do treinamento, amostras são colocadas em alguns dos dez compartimentos, incluindo escamas de pangolim ou ébano. "Os ratos são treinados usando um princípio-padrão de aprendizagem e comportamento, o shaping  [modelagem], no qual se reforça o comportamento através de um resultado positivo", explica Fast.

"Para nossos ratos, esse resultado positivo é uma saborosa recompensa alimentar." A fim de ministrar essa recompensa, há uma pequena abertura na câmara de vidro através da qual o treinador alimenta os animais com uma seringa.

Seringas com alimento são recompensa para esforços bem-sucedidos dos ratos gigantes
Seringas com alimento são recompensa para esforços bem-sucedidos dos ratos gigantesFoto: Apopo

"Uma vez que os ratos adquirem confiança para se aproximar do orifício de alimentação após o som do clique, nós começamos a moldar seu comportamento dentro da câmara de treinamento. Gradualmente, introduzimos odores não-alvo nos buracos."

"De início, os ratos também mantêm o nariz sobre esses buracos", prossegue Cindy Fast, "mas quando percebem que não ganham comida com esse comportamento, pouco a pouco aprendem a confiar no cheiro do item no buraco para prever quando sua resposta vai lhes render uma recompensa."

Alguns dos ratos da Apopo também foram treinados para arranhar o chão com as patas, a fim de fornecer um sinal visível ao treinador. Treinar ratos para encontrar chifres de rinocerontes, no entanto, ainda pode demorar.

"É muito cedo para especular sobre cronogramas de treinamento com outros tipos de contrabando de vida selvagem. Antes da expansão, precisamos concluir o atual experimento, seguido por testes de validação do conceito no ambiente de campo simulado."

"A depender dos resultados dessas fases, poderíamos então conduzir testes num ambiente de campo real. Isso poderá levar até cinco anos e precisa apresentar resultados promissores, antes que faça sentido cogitar a expansão para outros itens silvestres.".

Treinadoras da Apopo Mariam Juma (esq.) e Beatrice Malosa (dir.) apresentam alguns de seus alunos a Kelly Marnewick, da Endangered Wildlife Trust
Treinadoras da Apopo Mariam Juma (esq.) e Beatrice Malosa (dir.) apresentam alguns de seus alunos a Kelly Marnewick, da Endangered Wildlife TrustFoto: Apopo

Capacetes GoPro

O porta-voz da Endangered Wildlife Trust, Adam Pires, complementa que os funcionários da alfândega precisarão ser consultados de perto para simular os aspectos práticos das buscas reais nos portos.

"Até agora, os ratos têm provado sua capacidade de detectar odores-alvo e não tenho dúvidas de que essa experiência será bem sucedida. Mas o desafio será a forma como eles sinalizam uma descoberta suspeita", diz Pires.

Uma sugestão é acoplar minicâmeras GoPro aos ratos, tendo alguém encarregado de avaliar a transmissão ao vivo. Com tais detetives em miniatura em sua cola, os contrabandistas de vida selvagem terão que trabalhar muito mais para encobrir seus rastros.

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