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Rainald Goetz, as letras, o techno e o punk

Alexandre Schossler1 de março de 2013

Uma sangrenta performance televisiva o tornou famoso na década de 80. Trinta anos separam o primeiro e o segundo romance do escritor apaixonado pela música, no meio tempo, de peças teatrais a discos.

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Foto: picture-alliance/dpa

Poucos escritores alemães conjugam, em suas carreiras, o misto de celebração crítica e o que se chama de street credibility, como Rainald Goetz. Formado em História Antiga pela Sorbonne – onde apresentou a tese Freunde und Feinde des Kaisers Domitian (Amigos e inimigos do imperador Domiciano, 1977) sob orientação de Hermann Bengtson –, Goetz começou a trabalhar primeiramente como jornalista, escrevendo para as revistas de música Spexe Merkur, assim como resenhas de livros infanto-juvenis para o jornal Süddeutsche Zeitung.

Com seu talento para chocar e sua postura punk – seu lema é: "Punk Anarchie Okay" –, ficou famoso em 1983 na cena literária alemã, da noite para o dia, após sua performance numa leitura em Klagenfurt, por ocasião da entrega do Prêmio Ingeborg Bachmann,. Perante a plateia e as câmeras de televisão, Rainald Goetz cortou a própria testa com uma navalha enquanto lia seu manuscrito, ensopando-se no próprio sangue.

Berlim e techno

Naquele mesmo ano, ele estreava com o romance Irre (Louco – Suhrkamp, 1983), e entre 1986 e 1993 publicaria Krieg. Hirn. (Guerra. Cérebro), em dois volumes, Kontrolliert (Controlado) e Festung (Fortaleza), peças teatrais em três volumes.

Rainald Goetz Skandal beim Ingeborg Bachmann Preis 1983
Goetz em 1983, na performance de TV em que cortou a testa enquanto lia seu manuscrito.Foto: ORF Kärnten

É na década de 90, após a Queda do Muro e em plena era da Wendeliteratur (Literatura da Virada), que Goetz atinge seu grande público. Em 1994, seguindo a paixão pela música, lança um álbum intitulado Word (Eye Q Records, 1994), no qual vocaliza seus textos ao som de faixas de techno e trance produzidas pelos músicos Oliver Lieb e Stevie B-Zet. Começa aqui a associação que se faz entre a escrita de Rainald Goetz e a Berlim como templo do techno nos anos 90.

A esse, seguem-se o álbum Mix, Cuts & Scratches (livro + CD, 1997), e alguns de seus trabalhos mais conhecidos, como os volumes de Heute Morgen (Hoje amanhã): Rave (novela, 1998), Jeff Koons(peça, 1998), Dekonspiratione, (2000) e Celebration. 90s Nacht Pop (1999).

Escritor favorito de frequentadores dos clubes berlinenses como Berghain e Tresor, palestrante em eventos como a Viennale (Festival Internacional de Cinema de Viena), ou professor convidado no Instituto Peter Szondi da Universidade Livre de Berlim, seria difícil encontrar paralelos com uma carreira de escritor brasileiro. No entanto, há algumas semelhanças estilísticas com o seu contemporâneo Reinaldo Moraes, ou os mais jovens André Sant'Anna e Joca Reiners Terron.

Trinta anos depois, um "romance propriamente dito"

Contrário à cultura literarizante alemã, em 1998 anunciou que seu próximo trabalho seria escrito em público, na internet, em um blog. Assim nasceu Abfall für Alle (Dejeto para todos), publicado mais tarde em forma de livro. Todos os seus livros desde o primeiro romance assumiramm forma de peça, novela ou contos. Após muita espera, Goetz lançou em 2012 o "romance propriamente dito"Johann Holtrop, 30 anos depois de seu primeiro.

Buchcover: Rainald Goetz - Abfall für alle
Capa de "Abfall für Alle" (Dejeto para todos), escrito em público na internet

Mais uma vez como analista da contemporaneidade, Rainald Goetz adentra o mundo financeiro, estudando o que chamou de “distribuição dos corpos no espaço”, na relação entre senhorio e servidão, nas hierarquias convulsivas do mundo de hoje.

Em Johann Holtrop, ele descreve o que denomina "Absturz eines Wirtschaftsführers", a queda de um gerente econômico. Admirador de analistas e correspondentes políticos como Günter Bannas, do Frankfurter Allgemeine Zeitung, Goetz comentou a frieza de seus narradores, numa entrevista à revista Zei: "Para mim, o Eu sempre foi uma figura artificial. Nunca relatei algo a partir de mim mesmo, sem algum tipo de mediação".

Sebastian Hammelehle, escrevendo para Der Spiegel, descreveu o livro como um panorama das lutas pelo poder nos andares mais altos da sociedade capitalista contemporânea, e suas relações com a mídia. O romance tem algo de clássico em sua forma, se comparado aos trabalhos de Rainald Goetz na década de 90. Mas com o novo romance, o autor certamente segue despertando tanto debates entre críticos, como discussões em mesas de bar, ao redor da Alemanha.

Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Augusto Valente