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Estreitando laços

14 de outubro de 2009

As duas potências assinaram uma série de acordos bilaterais durante visita do premiê russo a Pequim, a despeito de antigas disputas e desconfianças. Visita de Putin coincide com 60º aniversário das relações diplomáticas.

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Putin (d), com seu homólogo chinês, Wen Jiabao, visita PequimFoto: AP

A China e a Rússia assinaram acordos de comércio, energia e segurança no valor estimado de 3,5 bilhões de dólares nesta terça-feira (13/10), durante uma visita de três dias do primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, a Pequim.

Os dois países, que são membros do Conselho de Segurança da ONU, concordaram, entre outras coisas, em avisar-se mutuamente caso lancem mísseis balísticos a partir de seus territórios. A agência de notícias russa RIA Novosti informou ainda que as duas potências assinaram um acordo para a criação de uma linha telefônica direta entre Moscou e Pequim.

O Banco Agrícola da China concederá créditos de mais de 500 milhões de dólares ao Banco Comercial Externo (Vneshtorgbank) russo. Além disso, foi assinado um Memorando de Entendimento, determinando a construção de uma linha ferroviária de alta velocidade no território russo.

Houve progressos ainda em relação a projetos de gasodutos e à energia nuclear, afirma Shi Yajun, especialista em relações sino-russas na Universidade Normal da China Oriental. A visita de Putin coincide com o 60º aniversário das relações diplomáticas entre os dois países.

Estreitar laços é questão de conveniência

Entretanto, apesar dos sinais de aproximação diplomática, muitos especialistas acreditam que isso se deve antes à desconfiança que compartilham em relação a outras potências, e não ao desejo próprio de se tornarem aliadas.

Existe de ambos os lados um histórico de rivalidades e desconfianças que remontam a disputas travadas nos anos 1960 acerca de diferenças na interpretação da doutrina comunista e de conflitos ao longo de seus 4,3 mil quilômetros de fronteiras comuns. Embora a maior parte destes últimos tenha sido resolvida, Moscou ainda vê com desconfiança o aumento da influência econômica e militar da China no leste da Rússia.

"A maior frustração de Moscou é o fato de a China ultrapassar a Rússia como grande potência", afirmou Jonathan Holslag, do Instituto de Estudos Chineses Contemporâneos de Bruxelas, à Deutsche Welle.

"Ambas almejam reconhecimento internacional e status, mas a China está à frente. Isso provoca uma desconfiança crescente na Ásia Central, onde a Rússia vem ganhando influência à custa da Rússia. Também no nordeste asiático a influência russa está esmagada pelo peso demográfico e comercial da China."

Irã e Coreia do Norte: posição comum

Ambos reconhecem a importância de estreitar laços, por mais que a crescente influência chinesa permaneça uma pedra no sapato russo. Com o aumento da pressão internacional devido às ambições nucleares do Irã e ao comportamento do regime na Coreia do Norte, Moscou e Pequim frequentemente uniram forças para impedir tentativas de impor punições mais drásticas pelos Estados Unidos e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

"Quando o assunto é Irã ou Coreia do Norte, ambos concordam que eles não deveriam desenvolver armas nucleares, mas que também não vale a pena colocar em risco a estabilidade regional e os interesses econômicos", explica Holslag.

A despeito da aparente aprovação russa de possíveis sanções contra o Irã, espera-se que as duas nações aproveitem a visita de Putin para coordenar sua diplomacia internacional em questões nucleares envolvendo o Irã e a Coreia do Norte, sinalizando que não estão dispostas a alterar as posições comuns que vêm defendendo juntas diante da pressão do Ocidente.

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Tubos da Gazprom para gasodutoFoto: RIA Novosti

Novos rumos em questões preocupantes?

China e Rússia também garantiram apoio bilateral em questões que preocupam o Ocidente, tais como a dura posição de Pequim em relação ao Tibete e à irrequieta província de Xinjiang, bem como o envolvimento de Moscou em regiões separatistas no Cáucaso. Mas até mesmo quanto a isso as coisas parecem tomar novos rumos.

"Tradicionalmente, esses países enfatizavam sua soberania no combate conjunto ao extremismo religioso, o separatismo e a unilateralidade norte-americana", argumenta Holslag. "Mas, desde a intervenção russa na Geórgia, esse denominador comum perdeu força. A China se recusa a reconhecer a independência da Ossétia do Sul e da Abkházia, como a Rússia gostaria. E os chineses também criticam os planos russos de construir novas bases militares na Ásia Central."

Comércio bilateral acelera aproximação

Principalmente parcerias nas áreas de comércio e energia foram acertadas. A China é o segundo maior parceiro comercial da Rússia, atrás apenas da União Europeia. E, mesmo que a crise financeira tenha feito o comércio bilateral cair 36% para 24 bilhões de dólares nos oito primeiros meses de 2009, a expectativa é que ele volte a subir para entre 60 e 80 bilhões de dólares em 2010.

No entanto, é a China que impulsiona as relações bilaterais, uma vez que a economia chinesa deixou a russa para trás. Afinal, seu PIB segue crescendo, enquanto o russo encolheu em consequência da crise.

"A China responde por menos de 10% do volume de comércio da Rússia e o déficit comercial russo continua aumentando", analisa Holslag. "Mesmo assim, está claro que, a longo prazo, a Rússia almeja intensificar a cooperação econômica com a China, a fim de reduzir sua dependência em relação ao mercado consumidor europeu. Ela aprovou grandes projetos de construção de gasodutos até a China e está buscando transformar seu território numa ponte ligando Ocidente e Oriente. O Oceano Ártico é outro trunfo com o qual a Rússia tentará acelerar seu avanço econômico."

Expandindo a cooperação energética

Também a China está tentando lucrar com a insatisfação da Rússia com a Europa como parceira e consumidora de energia. Embora ainda aposte suas fichas no Ocidente, Moscou está em busca de compradores alternativos para suas reservas de petróleo e gás natural, e a China deixou claro que está interessada nos enormes recursos minerais russos.

"Ao contrário da Europa, a Rússia está muito interessada na 'segurança da demanda', especialmente diante de políticas mais severas de proteção ao clima", argumenta Arno Behrens, responsável pelo setor de pesquisa energética do Centro de Estudos de Política Europeia, com sede em Bruxelas.

"A Rússia procura diversificar sua estrutura de demanda e a China seria um parceiro ideal, capaz de garantir a demanda em alto nível a longo prazo. Ao mesmo tempo, a China poderia melhorar sua imagem perante o Ocidente ao ampliar a cooperação com a Rússia em substituição aos chamados rogue states", disse Behrens.

Já em abril de 2009, foi assinado um acordo que poderá intensificar a cooperação energética sino-russa, através do qual a China, em troca de 300 milhões de toneladas de petróleo russo ao longo de 20 anos, concordou em conceder um empréstimo de 10 bilhões de dólares ao monopólio estatal de oleodutos russo Transneft e outros 15 bilhões de dólares à petrolífera estatal Rosneft.

Os investimentos chineses no oleoduto Sibéria Oriental-Pacífico contribuirão para garantir sua finalização até 2010 e poderiam permitir o fornecimento de 15 milhões de toneladas de petróleo bruto à insaciável indústria chinesa.

Crescimento chinês alavanca construção de gasodutos

A China também poderia se tornar um grande consumidor de gás russo, caso o monopólio Gazprom consiga superar o impasse com os chineses com relação ao preço e levar adiante um acordo de 2006 que previa a construção de dois grandes gasodutos até a China.

"De acordo com a Agência Internacional de Energia, a China é o segundo maior consumidor de energia do mundo e também o que mais cresce, devendo tornar-se o maior consumidor já em 2010", afirma Behrens. "A demanda primária total de energia quase triplicou entre 1980 e 2005 e espera-se que volte a dobrar entre 2005 e 2030. Mas, apesar desse enorme potencial, as relações energéticas com a Rússia continuam subdesenvolvidas."

Autor: Nick Amies (rr)

Revisão: Roselaine Wandscheer