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Quem está na mira da delação de Marcelo Odebrecht?

2 de março de 2017

Declarações de empreiteiro entraram em choque com delação de executivo do grupo que implicou Michel Temer. Efeitos sobre cassação da chapa são incertos.

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Brasilien Marcelo Odebrecht Verhaftung
Marcelo Odebrecht quando foi preso, em 2015: delações preservaram o presidente Michel TemerFoto: picture-alliance/dpa/H. Alves

O empreiteiro Marcelo Odebrecht prestou na tarde de quarta-feira (1/3) depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no âmbito da ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014. O conteúdo ainda está sendo mantido em sigilo, mas alguns veículos da imprensa afirmam ter confirmado alguns dos trechos.

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Em uma sessão que durou quase quatro horas, disse, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, que 4/5 de um total de 120 milhões (ou 150 milhões em valores atualizados) destinados pelo Grupo Odebrecht para a chapa Dilma-Temer em 2014 foram feitos por meio de caixa dois.

O depoimento também implicou a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-ministro Guido Mantega, mas de certa forma preservou pessoalmente Michel Temer. Ainda assim, lançou mais suspeitas sobre o ministro licenciado Eliseu Padilha, um dos homens de confiança do presidente.

Segundo o site G1, Marcelo disse que parte das dezenas de milhões de reais em caixa dois para a chapa foram pagos ao marqueteiro do PT, João Santana. Ainda de acordo com o site, Marcelo disse que informou Dilma sobre a ilegalidade desses pagamentos. (Não foi um acusação nova: o próprio João Santana já havia declarado em depoimento que Dilma sabia dos procedimentos ilegais.)

Do total repassado, pelo menos 50 milhões de reais foram uma "contrapartida" pela aprovação da medida provisória 470/2009 durante o governo Lula, que beneficiou o braco de energia do grupo Odebrecht, resultando em um ganho de 2 bilhões de reais para o grupo. Marcelo, no entanto, disse não considerar como propina o repasse desse valor, que teria sido acertado com o ex-ministro Guido Mantega.

Ainda segundo o G1, Marcelo afirmou que fez repasses por meio de caixa dois para as campanhas presidenciais de Marina Silva (então no PSB) e Eduardo Campos (PSB), além do tucano Aécio Neves - cujo partido é justamente o autor do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer.

Acusações contra Temer

Sobre o Temer, segundo o jornal Folha de S.Paulo, o empresário confirmou ter se reunido com o então vice-presidente em encontros durante a campanha eleitoral de 2014, mas negou ter acertado diretamente com o peemedebista a doação de 10 milhões de reais ao seu partido. Segundo Marcelo, o pedido de Temer por dinheiro foi feito de forma genérica, como uma mera doação, e os detalhes do repasse em forma de caixa dois foram tratados com Eliseu Padilha quando Temer não estava mais presente.

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Esse trecho entrou em contradição com a delação do ex-vice-presidente de relações institucionais da empreiteira Claudio Melo Filho, que foi revelada na íntegra em dezembro. Em sua colaboração, Mello afirma que a definição do repasse de 10 milhões de reais foi acertada com Temer, e que a intervenção do atual presidente não teria sido genérica como afirmou Marcelo. Somente outros detalhes teriam sido acertados com Padilha.

As declarações de Marcelo que preservaram Temer parecem seguir um roteiro parecido com o do Mensalão. Em depoimentos, alguns dos atores do escândalo afirmaram que o então presidente Lula chegou a participar em 2002 de um encontro com políticos implicados no caso.

Lula teria discutido de forma geral quais seriam as contrapartidas pelo apoio de outros partidos ao governo, mas segundo os depoentes, deixou o encontro quando detalhes dos valores ilegais passaram a ser tratados. Lula nem sequer foi investigado. Outros participantes, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foram condenados.

Ao longo do depoimento, Marcelo também se pintou como vítima dos políticos, tentando se dissociar da imagem de grande empresário agressivo - e também não mencionou que o grupo Odebrecht multiplicou por seis o seu faturamento sob os governos do PT. Segundo o Estado de S. Paulo, ele disse "eu não era o dono do governo, eu era o bobo da corte do governo”.

Consequências

As declarações de Marcelo Odebrecht podem complicar uma eventual volta de Padilha ao governo e lançar mais sombras sobre o Planalto, mas as consequências no andamento do processo de cassação são dúbias.

Há expectativa de que o relator do processo no TSE, Herman Benjamin, recomende a cassação da chapa. Só que paradoxalmente, a inclusão dos depoimentos de Marcelo e de outros executivos da Odebrecht - ainda que reforcem os argumentos para a cassação - devem atrasar o andamento da análise do processo. A lentidão tem marcado toda a ação. As primeiras diligências do caso só ocorreram mais de dois anos depois de o PSDB ter protocolado o pedido.

A expectativa inicial era de que os ministros do TSE analisassem tudo até o fim do primeiro semestre, mas a inclusão das delações deve esticar o prazo.

Essa demora também deve coincidir com a mudança do xadrez da composição da corte. Em abril e maio, dois ministros devem concluir seus mandatos, abrindo caminho para que Temer escolha novos integrantes - possivelmente alinhados com o Planalto.

O governo Temer ainda aposta na tese de que as contas de Dilma e de Temer eram coisas separadas, argumentando que os crimes ocorreram na contabilidade da cabeça da chapa, Dilma Rousseff - contra quem foram feitas as acusações mais graves. Apenas quatro dos sete votos da corte seriam necessários para fazer essa tese passar.

O depoimento de outros executivos pode complicar essa estratégia, ao levantar a suspeita de que membros do PMDB negociaram diretamente recursos ilegais com a empreiteira. Só que eventuais contradições entre as colaborações (como a de Marcelo e do executivo Melo) podem ser exploradas pela defesa do presidente.

Mas ainda que o desfecho no TSE seja desfavorável a Temer, o presidente ainda pode recorrer. Um eventual desfecho desfavorável pode vir a ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF), onde o presidente pode contar com a lentidão da corte e com o hábito de alguns ministros de pedirem vista e ficarem meses analisando os documentos – uma prática que beneficiou políticos como Renan Calheiros em 2016 - e chegar mais perto de completar o seu mandato.