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Pé na praia: O enigma do diminutivo em português

Thomas Fischermann
25 de janeiro de 2017

O sufixo "inho" intriga muitos estrangeiros no Brasil: na maioria dos casos, ele não corresponde à realidade e, quando usado por alguém que não domina a língua perfeitamente, nem sempre tem o efeito esperado.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Como todo mundo, também tenho meu bar da esquina predileto para sucos e petiscos. Fica na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana, a gente senta num banquinho alto de alumínio e fica apreciando a vista magnífica dos transeuntes. Tenho ido sentar ali com tanta frequência que já me consideram como parte do mobiliário. Esse gringo pálido e estranho, correspondente da Alemanha, com um bloco de anotações na mão. E, mesmo assim, não me sinto bem integrado. Simplesmente não consigo, ao fazer pedidos ou jogar conversa fora, empregar as palavras de uma forma imprescindível para meus anfitriões brasileiros: o diminutivo. O importante sufixo –"inho" no final dos substantivos, que traz para a frase uma nuance diferente.

"Queria um cafezinho!" tá, tudo bem – assim até que vai, isso eu posso dizer. "Cafezinho" faz sentido. De acordo com a minha experiência no Rio de Janeiro, um "cafezinho" é realmente servido em doses homeopáticas de um dedo mínimo. Pelo menos é o que parece para um alemão que toma café em potes e canecas.

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Também posso entender porque dizem "cervejinha" – um litro bem gelado acaba rápido nas mãos de um alemão. Mas como é que fica com a gigantesca e deliciosa "linguiçinha" que a gente pede entre a cerveja e o café? Porque ela é feita de "porquinhos" lindinhos e cortada pelo garçom em "pedacinhos" enormes? Menos sentido ainda, para mim, faz "pãozinho", que o garçom traz junto com a linguiça: na maioria das vezes, chega uma cesta capaz de matar a fome de uma turma de amigos inteira.

No balcão, além de mim, está sentado um tipo patola, equilibrando sua barriga de cerveja na cadeira de alumínio ao meu lado. Engole a linguiça, o pão e a cerveja com toda a calma. Não consigo entender por que todo mundo o chama de "Joãozinho".

Ou seja: na maioria dos casos parece que o diminutivo não corresponde à realidade. As pessoas o utilizam apesar disso, este é o Sound of Brasil. Nunca estive no Jardim Zoológico aqui, mas já sei que lá com certeza vai ter um monte de rinocerontezinhos e elefantezinhos. Para um alemão, soa como se todo mundo estivesse lendo um livro infantil sem fim. Na Alemanha não temos a tendência de fazer as coisas soarem fofinhas, pequenas, ou gentis. Gostamos de nomear as medidas e grandezas assim como são. Tenho que me acostumar.

Outro motivo pelo qual não uso muito o diminutivo é porque aprendi que diminuir o substantivo não tem sempre o efeito esperado, dependendo das palavras e situações. Nos índices de publicações acadêmicas encontram-se dúzias de estudos sobre o diminutivo, de títulos apavorantes ("Uma reflexão acerca do emprego do sufixo diminutivo no português do Brasil" etecetera) e leitura mais atemorizante ainda. Livros didáticos de português para iniciantes listam incontáveis frases nas quais deve-se aprender como utilizar o diminutivo.

Cada uma dessas frases tem um significado completamente diferente! Mãezinha, paizinho, vozinha: nestes casos ainda dá para entender, são pessoas a quem se tem afeto, todo mundo tem direito de diminuí-las gramaticalmente em uma medida minusculamente carinhosa. Mocinho ou mocinha, em caso de dúvida, a gente ainda acaba achando uma forma simpática de dizer, mesmo que não se queira ser carinhoso com eles. Mas, além desses, chega de ser afetuoso na terra do minúsculo.

"O que você vai fazer com aquele homenzinho?" Imagino que ao ouvir esta frase ninguém vai querer estar na pele do homem pequeno. "Você quer se desculpar com essa florzinha?" Ou é claramente uma mera pergunta de compreensão ou a florzinha é pequena demais. "O que é que você está querendo dizer com esse textozinho confuso?" Essa frase eu entenderia. Só teria uma dúvida: o jeito certo não é "textinho"?

Há pouco tempo, no meu bar da esquina, resolvi adiar o aprendizado do diminutivo perfeito. É que descobri uma forma muito mais útil para aprender: o aumentativo. É formado com o sufixo "-ão" no final do substantivo e é muito mais fácil de compreender.

"Amigão!", gritou um homem que apareceu do meu lado no balcão e queria abrir espaço. "Meu grande amigo!". Ele não se dirigia a mim, mas ao garçom. Fiquei irritado porque era minha vez de fazer o pedido. O homem conseguiu tanto a atenção que queria como seu hamburgerzinho super rápido. Exagerar com ajuda do aumentativo obviamente facilita a vida das pessoas no Brasil. Conversas se tornam mais amigáveis, pedidos são atendidos mais rápido.

Antes da minha próxima ida ao bar da esquina, resolvi que vou aprimorar a minha gramática. Oi, amigão! Irmão! Tudo bem? Estou ótimo, obrigado! Sabe de uma coisa? Nós, homens grandes da cidade grande, não fazemos coisas pequenas. Quero um suco misto de frutas gigante! E para acompanhar um hamburgerzão triplo!

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.