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"Putin está lucrando com a crise de refugiados"

Beate Hinrichs (fca)28 de setembro de 2015

O presidente russo quer apresentar à ONU um plano de paz para a Síria. Em troca, deve pedir um acordo com o Ocidente sobre o fim das sanções econômicas impostas ao país, diz o jornalista Marvin Kalb em entrevista à DW.

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Russland Putin und Militärs Armee Manöver
Foto: Reuters/Ria Novosti/A. Nikolsky

O discurso do presidente russo, Vladimir Putin, na ONU é um dos mais aguardados desta segunda-feira (28/09). Ele deve apresentar um plano de paz para a Síria. Com isso, o objetivo do chefe de Estado é suspender as sanções econômicas impostas à Rússia em 2014 pela Europa e pelos Estados Unidos devido à anexação da Crimeia.

Semana passada, Putin recebeu em Moscou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com quem discutiu um plano para coordenar as operações no espaço aéreo sírio. Agindo em várias frentes, inclusive no envio de armamentos para o regime de Bashar al-Assad, Putin surge como o principal interlocutor no caso sírio.

Em entrevista à DW, o jornalista americano Marvin Kalb, especialista em política russa do think-tank Brookings Institution, com sede em Washington, analisa a estratégia e as intenções de Putin numa possível solução da guerra na Síria – processo no qual conversas com Assad não estão descartadas.

DW: O que podemos esperar do discurso de Vladimir Putin, nesta segunda-feira, na Assembleia Geral da ONU, em Nova York?

Marvin Kalb: Faz mais ou menos um mês que já está claro que Putin quer empreender algo por causa da Síria. Segundo as informações que recebi, ele vai apresentar uma proposta russa para uma solução diplomática. Por essa perspectiva, o presidente sírio, Bashar al-Assad, continuaria no poder. A pergunta é por quanto tempo. Os americanos dizem que Assad pode fazer parte de um processo de negociação, mesmo não estando envolvido diretamente nas conversações. Mas, em algum momento, ele terá de abrir mão do seu mandato. Assim, os russos tentam apresentar um plano de paz que ajude Assad, protegido deles, e ao mesmo tempo em que prepararam a substituição do líder sírio.

Putin age de forma bastante inteligente quando sinaliza que Assad não ficará para sempre na presidência. Por outro lado, porém, o russo insiste que Assad faça parte das negociações.

Uma coisa está clara: os russos farão uma proposta de paz que os trarão imediatamente de volta à mesa de negociações sobre o Oriente Médio. Em segundo lugar, eles querem fazer com que Assad participe, pelo menos por certo tempo, como ator nesse processo. O terceiro ponto é que os russos reforçam a posição diplomática ostentando o armamento militar que acabam de enviar para a Síria. Na Ucrânia, a estratégia foi a mesma: quando você quer alcançar um objetivo militar ou diplomático, é preciso que tudo comece a partir de uma forte presença militar.

Marvin Kalb
Marvin Kalb é jornalistaFoto: Brookings

A chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, foi a primeira chefe de estado do Ocidente a declarar publicamente que é preciso conversar com Assad. Qual a importância dessa afirmação?

Isso se encaixa totalmente no plano de Putin. O presidente russo acredita que o Ocidente está cansado e corrupto e pensa que agora pode tirar vantagem disso. Não há dúvidas de que Merkel é uma das personalidades políticas mais importantes da Europa. Ela acredita que goza de uma relação especial com Putin, mas isso não adianta de nada para ela. Se a Alemanha resolve falar, neste momento, que é preciso conversar com Assad, isso significa que Putin está recebendo exatamente o apoio que ele precisa.

Você acredita que Merkel fez essa afirmação devido à crise dos refugiados na Europa, o que foi desencadeado pela guerra na Síria?

A crise dos refugiados na Europa tem uma relação direta com a estratégia de Putin. Com certeza, ele irá explicar isso durante a proposta nas Nações Unidas. Existe a hipótese de que o Ocidente deixe a questão da Ucrânia para trás. Do ponto de vista de Putin, ele já venceu a guerra na Ucrânia. O que ele precisa agora é que as nações ocidentais revoguem as sanções econômicas contra a Rússia. E o que ele está dizendo a Merkel e aos outros políticos europeus é: se eu ajudar vocês a acabar com a guerra na Síria e assim diminuir o fluxo de refugiados que vem de lá, vocês precisarão me dar algo em troca. E como vocês podem retribuir? Revogando as sanções. Eu acredito que isso é parte do plano e das expectativas dele.

Parece que Barack Obama foi pego de surpresa pela iniciativa de Putin. Como os americanos podem assegurançar sua influência?

Não é nenhum segredo que Obama e Putin não se gostam. Faz 15 meses que eles não conversam. Mas agora eles vão se encontrar na ONU para discutir dois assuntos: Putin acredita que o tema principal é o seu plano para a Síria; já para Obama, é a Ucrânia. Assim, eles virão de lados opostos. Ninguém sabe ainda se eles se encontrarão no meio do caminho. Mas Putin estará no centro das atenções sobre as negociações em relação à Síria. O russo quer ser visto como uma espécie de pacificador, porque ele tem um plano para acabar com a guerra na Síria.

É muito difícil para todos os líderes ocidentais, até mesmo para Obama, não acompanhar Putin de alguma maneira. Do ponto de vista diplomático, o russo iniciou o processo de forma muito inteligente e eficaz. Assim, Obama e Merkel precisam encontrar uma forma de equilibrar seus interesses com os de Putin.

O que podemos esperar das próximas semanas? Qual poderia ser o objetivo de Obama em relação à Síria e à coalizão contra o chamado "Estado Islâmico"?

Depende muito do que Obama poderá definir com Putin sobre a aborgem militar contra o "Estado Islâmico". Se eles encontrarem um caminho para coordenar operações militares com a Rússia e as potências ocidentais, isso seria bem efetivo na luta contra o EI. Contudo, há muita gente no Pentágono que não quer participar de uma missão conjunta com os russos. A relação está extremamente desgastada. E parece que Putin tem, no momento, o controle da situação.