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Foco é proteger tropas dos EUA, diz desenvolvedora de vacina contra malária

Nádia Pontes15 de agosto de 2013

Estudo publicado nos Estados Unidos comprovou eficácia da vacina experimental PfSPZ contra a doença. Em entrevista à DW, pesquisadora afirma que técnica foi inspirada em trabalho de brasileiros da década de 60.

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Foto: picture-alliance/dpa

A malária é tida pelas Forças Armadas dos Estados Unidos como "inimigo número um" dos soldados em questão de saúde – o que faz do desenvolvimento de uma vacina contra a doença questão de defesa nacional, sobretudo para os militares destacados em países tropicais e subtropicais.

O problema está perto de ser resolvido. Na semana passada, um estudo publicado na versão online da revista Science, assinado por pesquisadores americanos, mostrou como já se consegue imunizar com alta eficácia pacientes. "É uma das prioridades das Forças Armadas criar uma vacina contra essa doença", diz Judith Epstein, capitã da Marinha e membro da equipe que desenvolveu a vacina PfSPZ.

Em entrevista à DW, a médica afirma que, num cenário otimista, em mais cinco anos a vacina poderá estar disponível no mercado e a um preço acessível. Os primeiros exemplares, no entanto, como ela deixa claro, serão destinados ao Exército americano.

Judith lembra que a vacina contra a malária, doença que mata duas crianças por minuto no mundo, só está perto de se tornar uma realidade graças ao trabalho ds pesquisadores brasileiros Ruth e Victor Nussenzweig, que, na década de 1960, fizeram as primeiras demonstrações de que o próprio parasita causador da doença poderia ser aplicado no corpo humano para imunizá-lo.

DW Brasil: No fim dos anos 60, os pesquisadores brasileiros Ruth e Victor Nussenzweig foram os primeiros a provar que era possível imunizar roedores contra a doença por meio da irradiação dos esporozoítos, um dos estágios de vida dos parasitas que causam a malária, do gênero Plasmodium. Como esse trabalho influenciou a criação da vacina anunciada por vocês?

Judith Epstein: Eu fico feliz que você tenha tocado nesse assunto. Foram os Nussenzweig que começaram tudo. O ensaio que eles publicaram em 1967 foi muito marcante. Eu encontrei Ruth e Victor em diversos congressos e sempre os abordei. Eles são muito responsáveis por tudo o que aconteceu depois.

Eu sempre tento voltar a esse ponto, ao trabalho dos Nussenzweig. Porque foram eles que preparam o terreno para tudo isso. Mas muitos cientistas, aparentemente, não têm tempo para ouvir sobre o passado. Eles já estão velhinhos agora, mas continuam muito ativos e envolvidos. Eu sempre me senti muito honrada na presença deles.

Quando foi o início das pesquisas para desenvolver essa vacina contra malária (PfSPZ)?

O trabalho da Marinha vem do começo na década de 70, depois da publicação dos Nussenzweig. A Marinha e outros grupos começaram a testar a técnica em humanos. Mas foi só em 2004 e 2005 que o colega da Sanaria [empresa responsável pela produção] começou a usar essa técnica para testar vacina. Sanaria é uma empresa privada desenvolvida por um ex-capitão da Marinha. Ele era o líder do programa quando eu entrei para Marinha, em 1998. Ele viu um futuro promissor na tecnologia e a companhia decidiu que investiria nisso.

Foi então que comecei o trabalho com Stephen Hoffman [um dos autores do estudo, ao lado do pesquisador Robert Seder]. Ele começou a desenvolver a vacina e fizemos os primeiros testes em 2009, com a Marinha e Universidade de Maryland.

O sucesso científico está aparantemente confirmado. Quais são agora os obstáculos para que a vacina se torne uma alternativa real para combater a malária?

Acho que os obstáculos são logísticos. O ponto principal foi provar o conceito, que a vacina funciona. Agora realmente é fazer os testes clínicos e trabalhar para obter a licença. A principal questão é mostrar que a proteção, a imunização, é durável. Provar que as pessoas ficam imunizadas contra a malária pelo menos ao longo de 6 a 9 meses. Mas esperamos que a vacina tenha efeito no corpo por vários anos. Precisamos provar isso.

Queremos mostrar que a vacina pode proteger contra diferentes linhagens da malária. Para obter a licença, temos que provar em um número suficiente de pessoas que a vacina é segura. Nós gostaríamos de ter a primeira geração para ser usada na Forças Armadas e nos países em desenvolvimento.

Em quantos anos ela deve estar disponível?

Não temos uma resposta exata. Mas tenho conversado com Dr. Hofmann (Sanaria) e com nosso grupo de pesquisa médica sobre isso. Se tivermos financiamento apropriado, achamos que conseguiríamos pedir a licença para uso nos próximos quatro ou cinco anos. É muito ambicioso, eu sei, mas é questão de financiamento.

Os problemas agora são mais de ordem prática. É um grande salto desde a comprovação do conceito até a fabricação da vacina. Mas vemos que iremos seguir esse caminho.

A malária está mais concentrada em regiões mais pobres, na África e no Norte brasileiro, por exemplo. Como a vacina seria transportada para essas localidades, que estão normalmente distante dos grandes centros?

Essa vacina está armazenada em nitrogênio líquido, a 115 graus negativos. O transporte seria feito em tanques de nitrogênio líquido até os grandes centros. De lá, a vacina poderia seguir em recipientes menores. Essa é a ideia geral de como isso poderia ser feito. E a consideramos praticável.

Um ensaio do pesquisador Eric James publicado recentemente no American Journal of Tropical Medicine and Hygienefez um análise comparativa entre o transporte da vacina em nitrogênio líquido e câmaras frias tradicionais. Ele concluiu que a vacina não é bem preservada neste último caso e os custos não são muito diferentes.

E quanto aos custos? Os afetados em países mais pobres poderão pagar pela vacina?

É muito cedo para dizer sobre os custos. A vacina será muito competitiva em relação às outras. Algumas pessoas podem pensar que só os mais ricos poderão pagar. Mas não é o caso. O ponto é: precisamos de uma vacina para a Marinha, precisamos imunizar esses soldados, mas também precisamos para as milhões de pessoas no mundo que sofrem com a malária. Então ela precisa ser acessível.

A expectativa é que aPfSPZ seja a primeira vacina contra malária liberada no mundo?

Existe outra vacina que vai tentar a licença, a RTS,S. Ela está na fase de repetir os testes e, talvez, depois, possa obter a licença. Mas essa versão usa uma outra técnica. Nós esperamos obter uma vacina que tenha alto fator de proteção. Talvez a RTS,S percorra todo o caminho até a liberação e seja incorporada. É difícil dizer qual será liberada pelas autoridades antes.