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Por um “núcleo europeu”

sm3 de junho de 2003

Habermas, Derrida, Eco e outros intelectuais lançam, em diversos jornais da Europa, apelos simultâneos pelo fortalecimento de um “núcleo europeu”, capaz de relativizar a hegemonia política norte-americana.

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Jürgen Habermas convoca outros filósofos ao posicionamento políticoFoto: AP

Jürgen Habermas e Jacques Derrida colocaram de lado suas divergências filosóficas do passado, para convocar franceses e alemães a reforçar a posição política européia no contexto internacional. Numa ação concertada, lançada simultaneamente em diversos jornais europeus, outros intelectuais juntaram-se ao coro, defendendo – com diferentes nuances – a mesma causa: os escritores Umberto Eco (La Repubblica) e Adolf Muschg (Neue Zürcher Zeitung) e os folósofos Fernando Savater (El País), Gianni Vattimo, também parlamentar europeu (La Stampa), e Richard Rorty (Süddeutsche Zeitung).

Contrapeso europeu – O artigo de Habermas, publicado no diário Frankfurter Allgemeine, vai diretamento ao ponto, sem medir palavras: “A Europa precisa reforçar seu peso, em nível internacional e dentro das Nações Unidas, para contrabalançar a unilateralidade hegemônica dos Estados Unidos.” A novidade do apelo não é, no entanto, o antagonismo à política norte-americana – algo mais do que selado com o repúdio imediato de Paris e Berlim contra uma guerra no Iraque e legitimado através de inúmeras manifestações populares pacifistas.

Europa dilacerada – Nem tanto Washington, mas sim os dissidentes do “núcleo europeu” são alvo da preocupação dos filósofos: a Grã-Bretanha, cujo apoio aos EUA marcou mais uma vez a ruptura entre os países continentais e os anglo-saxões, a Espanha, com sua surpreendente mostra de solidariedade a Washington, e os países do Leste Europeu, “que se esforçam para entrar na União Européia, sem permitir – no entanto – que sua recém-conquistada soberania seja restringida.”

Abismo transatlântico – “Na futura Constituição européia, não deverá nem poderá haver nenhum separatismo.”- acrescenta Habermas – “Avançar não significa excluir. O núcleo europeu de vanguarda não pode se cristalizar numa pequena Europa, mas deve funcionar como locomotiva.” Na argumentação do filósofo, este núcleo se define menos por um consenso político europeu do que pela divergência de valores atribuídos aos EUA. Isso inclui a valorização européia do Estado Social em detrimento das leis capitalistas de mercado.

O secular e o missionário – Habermas vai mais longe ainda, contrapondo a tradição política laica da Europa ao caráter missionário do governo norte-americano: “Em nossas latitudes, é difícil imaginar um presidente que associe suas decisões políticas, repletas de implicações, a uma missão divina.” Por fim, um “núcleo europeu” antitotalitário e pacifista se fundamentaria basicamente no aprendizado com a história, sobretudo o holocausto, e no desenvolvimento de uma cultura da memória – enfatiza o filósofo.

O alcance da UE – “Nas cúpulas econômicas internacionais e em instituições como a Organização Mundial de Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, este núcleo europeu deveria contribuir para a configuração da futura política mundial.” – formulou Habermas a responsabilidade da Europa em relação à ordem econômica internacional, advertindo ao mesmo tempo contra qualquer tipo de eurocentrismo. O filósofo norte-americano Richard Rorty também prevê que uma nova autodefinição européia venha ter ressonância em todo o mundo: nos Estados Unidos e na China, no Brasil e na Rússia.

O erro americano – Como único americano a participar da ação lançada por Habermas, Rorty reforça – em artigo publicado pelo Süddeutsche Zeitung – a importância do contrapeso político europeu e defende os intelectuais europeus contra qualquer suspeita de anti-americanismo: “Tanto na Europa como nos Estados Unidos, existem milhões de pessoas que reconhecem claramente que a ambição americana de hegemonia permanente é um erro terrível, independente de quanto ela possa ter contribuído para a liberdade humana. “Os americanos cientes disso precisam de toda ajuda possível, para convencer os outros cidadãos de que Bush conduziu o país para o caminho errado.”

“A consolidação da União Européia numa potência da política mundial, forte e independente, jamais seria avaliada por esta parte da opinião pública como anti-americanismo, mas sim como uma reação perfeitamente pertinente e bem-vinda ao perigo que o atual rumo da política externa americana representa para o mundo.” – completa o filósofo norte-americano.