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Patrimônio da humanidade desaparece no Iraque

lk20 de julho de 2004

Bombas e atentados preenchem os noticiários. Agora arqueólogos alemães denunciam a destruição irreversível do patrimônio cultural, que adquiriu dimensões dramáticas de uns meses para cá.

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Estátua de leão em Al NimrudFoto: AP

Os primeiros alertas sobre os perigos a que estava exposto o legado cultural no Iraque foram lançados ainda antes do início dos bombardeios norte-americanos na região que é considerada berço da civilização. As pilhagens no Museu Nacional de Bagdá e outras instituições iraquianas que ocorreram depois, em abril de 2003, pareciam confirmar os piores temores e, por isso, tomaram conta do noticiário internacional.

Com o passar das semanas, constatou-se que os cálculos iniciais sobre o número de objetos roubados tinham sido exagerados. Consta que, dos 500 mil objetos que formam o acervo do Museu Nacional, "apenas" 15 mil desapareceram. Uma constatação apropriada para apaziguar os ânimos, ao que tudo indica: o patrimônio cultural da humanidade situado em solo iraquiano desapareceu das manchetes.

Os arqueólogos, porém, sabem que a destruição prossegue e, como o semanário alemão Die Zeit afirma em sua mais recente edição, assumiu proporções assustadoras. "Os saqueadores escavam os terrenos como se estivessem capinando um jardim. Destroem tudo", afirma Margarete van Ess, diretora do Instituto Alemão de Arqueologia.

Como o assalto dos mongóis

Pesquisadores calculam que o Iraque abriga até 100 mil sítios de importância arqueológica: resquícios das culturas suméria e babilônica repousam sob as areias do deserto. Terrenos que até recentemente só equipes de cientistas revolviam com o maior cuidado, limpando com um pincel cada peça descoberta, são tomados agora de assalto por bandos armados de pás e picaretas. E muitas vezes também de kalashnikovs.

"Isin [cidade dos sumérios] tornou-se uma verdadeira paisagem lunar", relata Walter Sommerfeld, professor de Cultura Oriental Antiga na Universidade de Marburg. Dezenas de outras cidades antigas teriam praticamente desaparecido da face da terra. Para Sommerfeld, que voltou do Iraque recentemente, a destruição da cultura tem as dimensões do assalto dos mongóis, no século 13. De uns meses para cá, as escavações clandestinas "originaram destruições de maiores proporções do que as que ocorreram nos últimos 150 anos juntos", afirma Sommerfeld na reportagem do Die Zeit.

Impotência das autoridades locais

Das geplünderte Nationalmuseum in Bagdad
Situação no Museu Nacional de Bagdá mudou após saques de abril de 2003Foto: AP

Os danos no Museu Nacional de Bagdá mantêm-se dentro de limites: o edifício está sendo restaurado e o acervo, inventariado. O lugar tornou-se nesse meio tempo uma verdadeira zona de alta segurança. As condições pioram no amplo território do país, principalmente nas regiões em que as forças de ocupação e o então governo provisório tinham perdido para os senhores locais o controle da situação.

Impotentes, os funcionários do serviço de proteção ao acervo antigo do Iraque muitas vezes só podem observar dos helicópteros o que se passa no solo. "Temos 800 sítios arqueológicos só em volta de Nassiryia e um milhão de ladrões. Estou disposto a colaborar com o diabo para proteger esses sítios", desabafou no New York Times Abdul-Amir Hamdani, responsável pelo acervo na província de Dhi Qar.

Sem solução à vista

Zainab Bahrani, arqueóloga da Columbia University de Nova York, atualmente em Bagdá, onde assessora o governo em questões do patrimônio, lembra que o problema tem origem também na catastrófica situação econômica da população. "Eles não são ladrões por natureza, simplesmente não têm outra possibilidade de sobreviver."

A solução de fato não depende apenas do Iraque. O semanário Die Zeit lembra que a Alemanha não deixa de ter certa culpa no fato de que o comércio ilegal com antigüidades floresce. A proteção do patrimônio cultural no mundo inteiro é uma reivindicação da Unesco desde 1970, quando a organização publicou uma resolução correspondente. Países europeus como a Grã-Bretanha e a Suíça hesitaram, mas acabaram ratificando a resolução e tornando sua legislação mais rigorosa. A Alemanha ainda não deu este passo. Mas há uma esperança: a ministra da Cultura, Christina Weiss, estabeleceu num documento as bases para que "a importação de bens culturais retirados ilegalmente de países que assinaram o convênio da Unesco" seja proibida e sujeita a penalidades na Alemanha. A questão é saber quando isto se converterá em lei.