1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Para Assis Brasil, livro diminuiu tabu em relação aos "muckers"

Alexandre Schossler19 de julho de 2006

Escritor brasileiro fala à DW-WORLD sobre o processo de criação de "Videiras de Cristal" e comenta a adaptação para o cinema do romance, que aborda um dos mais famosos e trágicos episódios da imigração alemã no Brasil.

https://p.dw.com/p/8pOh
O escritor participou de debates sobre sua obra em Tübingen, Leipzig e BerlimFoto: Rainer Radtke

Videiras de Cristal completa 16 anos de lançamento. É um dos mais conhecidos livros do escritor brasileiro Luiz Antonio de Assis Brasil, e o autor esperava que assim fosse. O tema muckers sempre despertou interesse no sul do Brasil e não havia livros que o abordassem de uma forma isenta e ao mesmo tempo atraente para o grande público.

O romance baseado no episódio foi apresentado pela primeira vez ao público alemão. Assis Brasil leu trechos da obra nas Universidades de Tübingen e Leipzig e na Universidade Livre de Berlim. O escritor veio a convite do programa Copa da Cultura, do governo federal brasileiro.

Os muckers (em alemão: hipócrita, beato, resmungão) foram uma seita religiosa que surgiu entre 1872 e 1874 aos pés do Morro Ferrabrás, nas proximidades de São Leopoldo, núcleo inicial da colonização alemã no Brasil.

Liderados por Jacobina Maurer, que se apresentava como a reencarnação feminina de Jesus Cristo, um grupo de colonos alemães se revoltou contra as instituições da época. Acabaram dizimados pela ação do exército imperial brasileiro. Centenas de pessoas morreram no conflito, que, mais de um século depois, continua sendo um tema tabu na região, principalmente entre os descendentes dos integrantes da seita.

Infância em Estrela

Assis Brasil afirma que se sentiu à vontade para abordar o assunto. "Não era um luso-brasileiro falando sobre um ambiente desconhecido. Eu conhecia profundamente a alma do colono alemão." As experiências do autor com as colônias alemãs estão concentradas na infância em Estrela, município do interior do Rio Grande do Sul onde ele viveu até os 13 anos - o pai era veterinário encarregado pelo governo do Estado das inspeções sanitárias.

Garoto, o escritor acompanhava o pai nas viagens de inspeção às mais remotas casas de colonizadores. "Me impressionavam as casas muito organizadas, limpas e com flores. Os colonos eram extremamente respeitosos, trabalhadores e disciplinados." Foi na colônia alemã que o escritor viu, pela primeira vez, uma demonstração de respeito e admiração por um livro. "Depois do trabalho, sempre convidavam meu pai para um café. E traziam um livro, que era aberto e lido: era a Bíblia."

Para o autor, Videiras de Cristal foi uma tentativa de entender como "essas pessoas tão ordeiras e trabalhadoras, tão obedientes à autoridade, se envolveram num conflito tão sangrento e violento". Consumiu um ano de pesquisas na região do Ferrabrás e em arquivos históricos do Estado e outros três anos no processo de escrita. Foi um sucesso quando do seu lançamento e está na sétima edição. Nesse meio tempo, ganhou uma versão para a tela grande, a cargo do cineasta Fábio Barreto.

Situação de abandono

Assis Brasil alinha teses de ordem social, econômica e psicológica para explicar o fenômeno muckers. "Havia o abandono espiritual e educacional dos colonos, que viviam afastados e sem acesso a escolas regulares; e a pobreza, já que São Leopoldo estava enriquecendo em detrimento das outras colônias." Nesse contexto, Jacobina Maurer surgiu como uma figura carismática que oferecia a possibilidade de uma vida melhor aos colonos.

O escritor arrisca ainda uma explicação de teor psicológico. "Talvez esse traço da cultura alemã, de ser contido e reservado... Quando isso explode, vem com uma violência incontrolável. E aquelas pessoas foram colocadas numa situação-limite."

Opção mística

Em 2002, Videiras de Cristal virou filme, dirigido por Fábio Barreto, com Letícia Spiller no papel principal e o título de A paixão de Jacobina. "Foi feita uma opção de natureza não tanto histórica, mas de uma interpretação mágica, mística, do episódio. Acho que o cineasta pode escolher a interpretação que quiser, mas ele tem que se realizar dentro dessa opção. E, mesmo aí, há problemas", avalia o escritor.

Ele concorda, porém, que tanto o livro como o filme ajudaram a encarar o episódio de maneira diferente, diminuindo o tabu em relação ao tema. "Hoje as coisas estão mais fáceis, especialmente entre os jovens. Eles já falam sem inibição sobre o tema. Alguns até manifestam um certo orgulho por terem no seu passado uma heroína que conseguiu desafiar as religiões estabelecidas e as autoridades da repressão. Quanto aos mais velhos... bem, aí as coisas são mais difíceis."