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Pé na praia: Pretos-velhos em Berlim

Thomas Fischermann
8 de novembro de 2017

Na capital alemã, uma etnóloga alemã especialista em Umbanda frequenta um terreiro da religião brasileira. "O corpo faz coisas que não ordenamos", conta ela sobre sua experiência com uma pomba-gira.

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Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Tomei café, comi bolo e conversei sobre espíritos com uma umbandista alemã. Mas infelizmente tenho que dizer que ela estava desconfortável com o tema. Eu queria saber de onde vêm os espíritos na Umbanda. A casa deles é no Brasil? Os escravos os trouxeram de suas terras africanas?

"Na verdade, isso é uma coisa que não está 100% clara", respondeu a umbandista e fez uma longa pausa. "Acredito serem forças da natureza que podem ser encontradas no mundo inteiro. E uma de minhas colegas acredita que, em parte, se originaram no Oriente."

Tudo bem, tenho que admitir que minhas perguntas foram particularmente difíceis para Inga Scharf da Silva. Seu terreiro – no qual caboclos, pretos-velhos, exus, pombas-giras e baianos incorporam nas pessoas – fica bem longe da origem brasileira da religião, em Berlim. Na capital alemã, a umbandista participa de cultos há seis anos, mas seu contato com a religião é mais antigo.

"Decidi viajar depois do Abitur [certificado que dá acesso à universidade na Alemanha], como a maioria dos jovens faz", me contou. Foi em 1994. Como pretendia estudar etnologia, ela viajou à Bahia, para conhecer o Candomblé.

"Não aprendi muito, mas durante a viagem vi muitas pessoas que jogavam capoeira", disse. Mais tarde, ela realmente começou a estudar etnologia. Ela retornou à Bahia como jovem pesquisadora, só que não queria mais saber de Candomblé.

"Choviam etnólogos nos eventos de Candomblé, e não me senti à vontade em me misturar àquela multidão", recordou.

Seu próximo destino foi São Paulo, onde se encontrou com uma mãe de santo da Umbanda, em idade já avançada. A religião sincretista quase não é conhecida na Europa. "A mãe de santo me disse: 'Inga, você tem que escrever um livro sobre Umbanda!'", contou a alemã

"Como assim? Isso era uma missão? Uma mensagem dos espíritos?", perguntei.

"Não, acredito que ela tenha achado chique uma etnóloga da Europa aparecer por lá", respondeu ela. 

Para a umbandista, anos depois, não restou muito do interesse científico. Quando retornou a Berlim, ficou muito doente, teve que se fazer quimioterapia por três anos. "Foi nessa época que descobri que também existia Umbanda em Berlim."

Um grupo minúsculo, chefiado por uma austríaca e cuja sede ficava em um lugarejo nas montanhas da Suíça, tinha uma filial com dois membros em Berlim. Encontravam-se no bairro de Berlin-Zehlendorf para praticar seus rituais.

Inga ia até lá e se irritava: "Os outros que frequentavam a Umbanda em Berlim entravam em transe com muita rapidez. No meu caso, não aconteceu nada por dois anos, apesar de eu estar presente um todas as ocasiões."

Quando finalmente aconteceu, uma pomba-gira entrou nela – e os detalhes não precisam ser revelados. "O corpo faz coisas que não ordenamos. Foi uma surpresa", relatou Inga laconicamente. Ela também ficou surpresa com o fato de, logo depois, sua doença desaparecer. Ela acredita ter sido curada pela Umbanda.

Desde o primeiro contato da umbandista com o terreiro em Berlim, há seis anos, algumas coisas mudaram por lá. "No princípio eram quase só europeus, que se interessavam por naturopatia. Agora também somos frequentados por brasileiros", disse. 

Segundo Inga, a presença dos brasileiros trouxe muitas melhorias. No começo, quase ninguém do grupo de Umbanda entendia português, e os pretos-velhos ou caboclos que incorporavam nas pessoas soavam como berlinenses ou suíços.

"Isso não é estranho ou até mesmo falso?", questionei.

"Nós explicamos que entidades incorporam nos médiuns, e que também existem entidades na Suíça", disse ela.

Recentemente foi organizado um grupo de estudos de português, e, desde então, a maioria dos espíritos de Umbanda se expressa corretamente no idioma.

Antes de me despedir, perguntei à umbandista: "Quem se mistura à cultura de um país estrangeiro como a senhora tem frequentemente uma razão para isso, não é?"

"Conheci meu marido em Recife, ele é brasileiro", respondeu ela de prontidão.

"Ah! Então vocês frequentam o terreiro juntos?", perguntei.

"Não", disse a umbandista, num tom que fazia a ideia soar absurda. "Ele não pratica isso. Está muito feliz desde que mudamos para a Alemanha, porque aqui pode viver como ateísta sem problemas."  

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna „Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.

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