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Pé na praia: Parquinho na favela

Thomas Fischermann 22 de junho de 2016

Na coluna desta semana, o jornalista Thomas Fischermann relembra quando subiu um morro no Rio de Janeiro para aprender a soltar pipa e conta como a conversa com as crianças da comunidade logo tomou um rumo inesperado.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Minha ideia era escrever uma história interessante para o caderno infantil do Die Zeit – o jornal alemão para o qual trabalho aqui no Rio de Janeiro. Várias vezes as pipas da cidade já tinham me chamado atenção. Flutuam com as cores da bandeira brasileira ou padrões cheios de fantasia acima dos pontos mais altos do Rio de Janeiro, manejadas matreiramente pelas crianças da favela.

Uma subida por degraus íngremes sob o sol escaldante me levou até um dos "morros" da cidade. Por razões diversas não gostaria de mencionar seu nome. Banhado de suor, encontrei o que procurava: um campo de futebol no ponto mais alto, uma vista panorâmica de 360 graus surpreendente, onde crianças de seis, dez e 12 anos se moviam e soltavam pipas.

"Um gringo!", gritaram. Fizemos amizade rapidamente, com picolé e linhas para pipa novas. Estava lá para, em nome de meus leitores-mirins, fazer uma pergunta: Como é soltar pipa?

Sim, aprendi como se faz. As crianças me contavam sobre os melhores modelos para soltar, qual é o vento certo, e como se coloca a pipa várias vezes nas mãos de um gringo para ele conseguir aprender a posição certa para soltá-las. O problema foi que, em muito pouco tempo, a conversa tomou um rumo bem diferente – e tornou-se inadequada para um caderno infantil. Pelo menos para um país de crianças superprotegidas como a Alemanha.

"Olha só ali", sussurrou uma menina, "lá em cima estão os bandidos." É verdade, lá em cima estão os bandidos, eu já sei. Em alguns dos lugares mais altos no Rio de Janeiro o "tráfico" observa tudo que se passa. É a tarefa daquelas pessoas. Antes de visitar o morro eu tinha avisado os traficantes que iria. Isso faz parte do trabalho de um jornalista. Então não havia problema em eu estar lá.

"Meu pai também é bandido", confidencia outra menina. "Temos muitas armas em casa." Um outro diz: "E esse morro inteiro aqui pertence a meu pai, ele controla tudo."

Meninos, não quero saber de nada disso. Fiquem calados! Essas informações põem a mim e a vocês em perigo! Estou aqui por causa das pipas, não para escrever uma reportagem policial!

"O pior é no parquinho, quando vêm os helicópteros", esclarece um moleque. "Atiram na gente do céu, posso até mostrar os buracos de bala em nossa casa. Todo mundo aqui tem medo dos helicópteros." Isso é muito grave, mas será que podemos falar de outra coisa, meninos? “Sim, a polícia é perigosa, mas os bandidos também são. Aqui tem muitos bandidos perigosos.” Vocês gostariam de morar em outro lugar? "Sim, no Polo Sul“, diz um menino de nove anos, e todos riem.

Na hora da subida não se pode esquecer de esconder as câmeras. O único acesso passa pelos “soldados” do tráfico. Os digníssimos estão lá, armados, acenam amigavelmente e dão passagem. De qualquer forma, estão ocupados: De uma favela da vizinhança soa o barulho de tiros. Os traficantes olham para o vale, relaxados, mas curiosos, tiroteios lhes desperta o interesse profissional.

"Que tiros são esses?", pergunto ao meu jovem acompanhante, quando já estávamos quase chegando ao asfalto. Lá em cima no parquinho ele estava lívido, agora não quer mais falar sobre isso. "Certamente uma festa", mente. “Nesta favela as pessoas gostam de festejar.”

Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.