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Árabes e democracia

27 de janeiro de 2011

Protestos na Tunísia e Egito são prova de que, no mundo globalizado, as sociedades não podem mais se isolar, e não é possível barrar ou filtrar informações. Ute Schaeffer opina.

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A centelha da revolução irá se alastrar? Ontem a Tunísia, hoje o Cairo, amanhã Sanaa ou Damasco? O mundo árabe será dominado por uma insurreição popular generalizada, que levará à libertação dos déspotas no poder? Hoje, regimes autocráticos, amanhã, democracia? Não, não será assim tão fácil.

O fato de a rebelião política espalhar-se de um país ao outro deve-se à semelhança das causas dos protestos – e também de seus objetivos. O protesto se dirige contra os potentados e as elites, que colocaram a economia e a política a seu serviços pessoal.

Após ocupar confortavelmente, durante décadas, as poltronas do poder, sempre que possível acompanhados de seus familiares, esses senhores perderam de vista a população, do lado de fora dos palácios. Eles esqueceram completamente sua responsabilidade política e que desenvolvimento só faz sentido quando beneficia a muitos.

Os oligarcas nos palácios governamentais do mundo árabe há muito já perderam o contato com o chão, ignoram as necessidades da população. E estas são simples: tenho como pagar o meu pão? Acharei trabalho? Qual é minha perspectiva pessoal de vida?

Túnis, no entanto, não deverá se tornar a Gdansk do mundo árabe – isto é, um local de onde se desenvolverá uma revolução democrática como a da Polônia em 1980. A diferença em relação aos Estados soviéticos então controlados por Moscou, é que os centros políticos do mundo árabe não se encontram sob uma regência única, sendo muito heterogêneos.

No entanto, também há forças que produzem um senso comunitário nas sociedades árabes, que, também agora, fazem com que a ira e as experiências dos protestos sejam compartilhadas. Em primeiro lugar, está a mídia pan-árabe: Al Jazeera e Al Arabiya talvez sejam os mais importantes motores do movimento, ao levarem imagens e informações de um lugar a outro.

O bloqueio de informações talvez funcione nos países da África, onde reinam os déspotas e a pobreza, porém não mais nas nações árabes. A voz das sociedades civis do mundo árabe talvez seja débil, dentro dos próprios países e aos olhos dos aparatos políticos locais, mas ela é forte na internet, nos blogs ou fóruns.

O Egito ainda tenta usar sua televisão estatal para competir com a supremacia das concorrentes árabes, mas a máquina estatal de propaganda já perdeu há muito tempo, em termos de credibilidade. E em muitos países da região, blogueiros e jornalistas estão sob pressão pois os regimes sabem que vozes livres podem representar uma ameaça.

As razões sociais dos protestos podem ser reparadas, aqui e ali, mas é pouco provável que as pessoas vendam por esse preço a sua coragem e sua vontade de mudar. Pois o movimento nunca foi tão amplo. Não são apenas os estudantes, os intelectuais ou os islâmicos a sustentarem os protestos: é o professor, o advogado, o bancário, que se defende. Como na Tunísia, quem abre a boca é a população politicamente marginalizada, que durante anos ficou calada.

A situação poderá, portanto, ficar difícil durante os eventos antidemocráticos programados para este ano: no Iêmen, o presidente Ali Abdullah Saleh, há três décadas no poder, almeja mandato vitalício. Também o presidente do Egito, Hosni Mubarak, está há 30 anos no cargo. Ele já mandou manipular as últimas eleições parlamentares e pretende se candidatar novamente à presidência. Para sua sucessão, o político, visto como aliado pelo Ocidente, tem uma solução familiar: da mesma forma como a família Assad, na Síria, Mubarak está preparando o próprio filho.

O que acontecerá ao fim dos protestos? A mídia europeia muitas vezes projeta que o controle na região será assumido por radicais islâmicos. Mas a amplitude dos protestos sugere que tal não acontecerá. Quem sairá ganhando é a sociedade civil, que agora se mostra tão corajosa. Aqui e ali haverá mudanças de regime, eleições serão mais limpas, o papel dos parlamentos talvez seja reforçado, o espectro de partidos, mais amplo – todos passos democráticos importantes.

E a lição talvez mais importante que a Tunísia e o Egito dão aos déspotas de Minsk até Harare, de Trípoli a Ashgabat é a seguinte: num mundo globalizado, as sociedades não podem mais se isolar e não se pode mais barrar ou filtrar informações. Quanto menor o mundo fica, maior se torna a pressão sobre os regimes para que prestem contas e permitam mudanças.

Autoria: Ute Schaeffer (rw)
Revisão: Augusto Valente