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Viagem de Kofi Annan à Síria não foi em vão

12 de março de 2012

Apesar de não conseguir um cessar-fogo entre Assad e insurgentes, visita de Nobel da Paz a país em guerra civil pode abrir caminhos para organizações humanitárias. Um pequeno passo, porém essencial, opina analista da DW.

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Sempre que um ganhador do Prêmio Nobel da Paz viaja a uma região em conflito, a expectativa é grande. Foi o que ocorreu com Kofi Annan: o ex-diplomata, designado conjuntamente pela ONU e pela Liga Árabe como enviado especial para a Síria, visitou Damasco, a "cova do leão".

Lá, sua tarefa era convencer o presidente Bashar al-Assad e a oposição armada a aceitarem um cessar-fogo. Porém Assad, que a cada semana que passa tem mais sangue nas mãos, permaneceu irredutível: não se pode ceder a "terroristas" – que é como, há meses, mentirosamente designa o levante popular sírio –, declarou.

À primeira vista, a missão de Kofi Annan não foi marcada pelo sucesso. Ao invés de aceder quanto a uma trégua, o ditador sírio enviou suas tropas para uma nova grande ofensiva na província de Idlib, reduto da resistência no noroeste do país. Isso é o que Assad entende por disposição ao diálogo.

No entanto, desde o início, as chances de um cessar-fogo eram mínimas. No decorrer dos últimos meses, Bashar al-Assad tem se mostrado tanto incorrigível quanto inamovível. Até o momento, ninguém pôde convencê-lo a ceder.

Dupla força de Annan

A função de mediadores internacionais como Kofi Annan é, em primeira linha, comunicar ao regime que ele está acabado politicamente. Na Síria, isso já é perceptível, embora a queda de Assad ainda possa demorar um tanto.

Porém a tendência é inequívoca. Se mais soldados desertarem, se as dificuldades econômicas aumentarem e se sobretudo a Rússia mudar seu posicionamento, estes seriam sinais para Assad. Somente aí o ditador reconhecerá que não é mais possível um retorno à situação de antes do início dos protestos, um ano atrás.

A visita de Annan pode ter pelo menos contribuído para esse processo de constatação. Pois o Prêmio Nobel da Paz é um homem de elevada reputação, um dos poucos capazes de dizer a Assad, cara a cara, que soou a hora final: seu mandato tinha força dupla, legitimado do lado árabe e internacional.

Reticência ocidental

Porém, mesmo que, objetivamente, tenha chegado ao fim a era de Assad como líder hegemônico, ele continua apostando decididamente na violência, que é a única chance que lhe resta, além do exílio. Essa manobra se apoia no fato de, até agora, a comunidade internacional não ter conseguido emitir uma resolução de segurança sequer contra seu procedimento desumano.

Ele sabe que principalmente os Estados Unidos e os países ocidentais hesitam diante de uma intervenção na Síria, pois isso poderia levar ao caos toda uma região, com consequências imprevisíveis para o Oriente Médio.

Sobretudo dos EUA não se deve, no momento, esperar qualquer iniciativa militar na Síria. O atual risco elevado de um ataque israelense contra o Irã obriga o presidente norte-americano, Barack Obama, a se solidarizar; não há mais recursos à disposição para uma operação militar na Síria. Até porque um conflito militar no Oriente Médio impulsionaria a alturas estratosféricas a espiral dos preços da gasolina, que já são altos. Algo a que um presidente estadunidense não pode ser dar ao luxo, em ano eleitoral.

Por isso, Bashar al-Assad pode blefar alto. Ele pode confiar que, no momento, o Ocidente tem as mãos atadas, e que, por interesses de política do poder, a Rússia manterá por enquanto sua ostensiva lealdade de vassalo.

Iniciativa não foi em vão

Durante sua viagem à Síria, Kofi Annan também se pronunciou contra uma solução militar. Até mesmo a Liga Árabe decidiu-se temporariamente pelo mesmo curso, após o encontro com o ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov.

Isso também convém à cínica premeditação do ditador de Damasco. Ele sabe que, quanto mais uma nação se afunda na guerra civil, maiores são os riscos para uma intervenção militar externa. Até mesmo uma missão armada dos capacetes azuis estaria fadada ao fracasso.

Apesar de tudo, não foi em vão a visita de Annan à capital síria. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Pelo menos agora está mais provável que se consiga estabelecer para as organizações humanitárias internacionais o acesso às zonas de combate. Diante da catástrofe que se desenrola na Síria, isso seria uma pequena vitória, mas de valor considerável.

Autoria: Daniel Scheschkewitz (av)
Revisão: Francis França