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Opinião: Uma eleição sem vencedores

Ines Pohl
Ines Pohl
5 de novembro de 2016

Nos últimos meses, instalou-se nos EUA uma verdadeira batalha, em cujo final só pode haver perdedores. Para a jornalista Ines Pohl, o responsável por isso não é Donald Trump, mas sim o "establishment" político.

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Ines Pohl é correspondente da DW em Washington
Ines Pohl é correspondente da DW em Washington

O mundo estremece diante da próxima terça-feira (08/11), dia em que os EUA vão escolher o seu novo presidente. E, até o último minuto, pode ser que realmente Donald Trump, junto à esposa Melania e a outros membros de sua empresa familiar, se mudem para a Casa Branca. A mera possibilidade já é preocupante. Como isso pôde acontecer? O que há com os americanos, que cogitam escolher um homem sem nenhuma experiência política para o mais importante cargo político do mundo?

As tarefas que o presidente Barack Obama vai deixar para a sua sucessora ou o seu sucessor são imensas. Tanto em termos de política interna quanto externa: a reforma do sistema de saúde não foi concluída; em grande parte do país, a educação e a infraestrutura se encontram em estado desastroso. A Síria é somente um exemplo de quão perigoso pode ser um vácuo de poder que surge quando a polícia mundial, representada pelos EUA, se retira, e ninguém, exceto a Rússia, está disposto a preencher o vazio. E quando os EUA também não recebem o esperado apoio militar da Europa.

Ainda é bem provável que Hillary Clinton venha a vencer no final. A sua liderança pode estar diminuindo, mas ela ainda existe, e graças ao estranho sistema de eleição, a candidata tem uma importante vantagem nos votos de seus delegados eleitorais. 

No entanto, independentemente do resultado, já está claro que no final deste espetáculo vergonhoso, só haverá perdedores. Nos últimos meses, os EUA se tornaram um país dominado por teóricos da conspiração e demagogos. Isso tem muito a ver com Trump, com esse homem que não tem a mínima ideia sobre os processos políticos, mas que possui habilidades retóricas para transformar preocupações em ódio; medo da perda em xenofobia; e insegurança em fantasias de onipotência. E ele sempre consegue entrar em cena como o único salvador possível. Essa é a receita clássica para o sucesso de um demagogo.

Assim, em todo o mundo, muitas pessoas focam suas frustrações e seu desespero quanto à situação dos EUA em Trump, vendo nele o culpado por esse país estar a caminho da ingovernabilidade.

Mas isso não está correto, ao menos não em sentido político. Pois, até agora, Trump não é um político, alguém que, por definição, se esforça pelo bem-estar de todos e que assume a culpa quando não o faz. Trump é um homem de negócios. Portanto, ele só está interessado em seu próprio lucro. Foi assim que ele fez suas transações imobiliárias, e foi assim que conseguiu a nomeação a candidato do Partido Republicano. E, com essa atitude, ele poderá até chegar à Casa Branca.

Os americanos e americanas são, então, os culpados, por serem facilmente influenciáveis e porque são tolos demais para perceber os reais interesses de Trump? Isso também não é verdade. Quem, nos últimos meses, tentou viajar pelos EUA com os ouvidos abertos pôde escutar muitos apoiadores de Trump com bons motivos para a sua escolha. Quem deixa o burburinho das metrópoles, vivencia a grande miséria nesse país das possibilidades intermináveis. Depara-se com pessoas vivendo em bairros pobres e mal cuidados; com idosos e doentes que temem por sua subsistência diária; com crianças que não tiveram, desde o nascimento, nenhuma oportunidade nesse brutal sistema de duas classes.

E isso não é tudo. As revelações dos e-mails hackeados de Hillary nas últimas semanas provam exatamente aquilo de que Trump, o azarão, tem se aproveitado com tanto sucesso há meses. Eles mostram quão corrupto é o Partido Democrata e como a legenda está comprometida com os Clintons, que, com todo o seu poder, conseguiram impedir um candidato que teria sido uma real renovação democrática.

Neste ano fatídico, o egocentrismo arrogante se vinga do establishment político. Os republicanos mergulharam tanto em sua política de bloqueio que, simplesmente, estavam pouco se importando se decisões urgentes poderiam ser tomadas ou não. Eles não levaram Trump a sério durante tempo demais e tiveram, no final, de nomear um candidato que possivelmente vai dividir o partido.

Pois, mesmo que Trump venha a perder no final, os seus milhões de apoiadores não vão desaparecer. Eles vão obstruir qualquer tentativa de fechar acordos politicamente sensatos com a administração Clinton – fora do partido, mas também nos grêmios políticos. E não se vislumbra nenhuma figura de liderança republicana que seja suficientemente forte para canalizar a decepção e o ódio. Está completamente em aberto como os republicanos pretendem manter sua capacidade de ação política.

Da mesma forma, em caso de vitória, Hillary vai ter poucas possibilidades de ação, apesar de seu talento político e de toda a sua experiência. Também porque, ao contrário do esperado durante muito tempo, ela não vai conquistar a maioria nas duas câmaras do Parlamento para que possa realmente governar. Tudo isso é um desastre. Tanto para os americanos quanto para o resto do mundo, que precisa que os Estados Unidos funcionem.

Ines Pohl
Ines Pohl Chefe da sucursal da DW em Washington.@inespohl