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Opinião: Tudo em família na Nicarágua

Leandro Uría
7 de novembro de 2016

Em eleições feitas sob medida, Daniel Ortega se reelege pela terceira vez consecutiva e tem sua esposa como vice-presidente na chapa. Caso acentua a necessidade de se realizar uma reforma eleitoral, opina Leandro Uría.

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Nicaragua Proteste am Wahltag
Foto: Getty Images/AFP/I. Ogon

As eleições de 6 de novembro foram feitas sob medida para Daniel Ortega. Quem ganhou? Daniel Ortega assegurou a vitória, depois das surpresas do sim ao Brexit e o não ao Acordo de Paz na Colômbia.

Mas a realidade é mais dura: antes das eleições, uma decisão polêmica da Suprema Corte retirou da disputa seu principal concorrente, o que causou no pleito deste domingo um grande nível de abstenção eleitoral. Segundo alguns setores da oposição, ele é o dobro dos 35% sugeridos pelos números oficiais.

Agora fica mais claro por que o governo não permitiu a entrada de observadores internacionais, os quais o próprio Ortega chamou de sem-vergonha em uma de suas poucas aparições públicas na campanha.

Como se isso fosse pouco, o presidente da Nicarágua conseguiu impor sua esposa como companheira de chapa, com a qual começará seu quarto mandato presidencial – o terceiro consecutivo – com a sucessão dinástica assegurada.

E tudo isso em um país que parecia alérgico ao nepotismo no final dos anos 1970, após superar mais de 40 anos de ditadura feroz da família Somoza e fazer uma revolução... comandada pelo próprio Ortega.

Voltando a Rosario Murillo – a mulher de Ortega –, ela é a atual porta-voz do governo, enquanto os filhos da família dirigem os principais meios de comunicação do país. E isso no auge do egocentrismo – ela faz declarações nos canais de televisão administrados por seus filhos sobre como estão indo bem as coisas no governo de seu marido. Tudo em família.

É certo que muitos cidadãos com poucos recursos financeiros se sintam protegidos pelo "comandante Daniel", de grande aceitação nas pesquisas, embora o país continue sendo o mais pobre da região, depois do Haiti. O presidente, de 70 anos e com saúde delicada, também tem gerido a economia de forma razoável e proporcionado segurança pública à população.

Mas, se alguém pergunta em nome de que ideologia este antigo guerrilheiro sandinista governa, terá muitos problemas para encontrar a resposta. Pode-se dizer que Ortega é "tudo" no sentido que se define como socialista, mas tem alianças com o grande capital e com alguns membros da hierarquia da Igreja Católica. Também parece fazer um aceno aos cultos new age.

Não por acaso sua mulher cobriu o traçado urbano da capital, Manágua, com excêntricas, luminosas e caras "árvores da vida".  E, por último, e não por isso menos importante, é um aliado de Caracas, ao mesmo tempo em que se aproxima surpreendentemente da Organização dos Estados Americanos (OEA), de onde sopram ventos contrários a Nicolás Maduro.

Mas, além disso, pode-se dizer a este comandante que lhe falta algo fundamental para ser um bom presidente: aceitar que o debate político é essencial para uma agenda verdadeiramente democrática. Ele não é, de longe, um estadista ou um democrata, mas alguém que somente negocia em uma posição de força, se é que isso significa realmente negociar; alguém que também exige lealdade sem limites de sua própria tropa. Tal como ocorria quando era guerrilheiro.

Quer dizer que não havia nada em jogo nas eleições que acabam de se realizar e que ele aprofundará ainda mais seu controverso estilo de governo? Não se sabe: o Senado dos EUA poderá aprovar o Nica Act, uma norma que interromperá a ajuda de Washington e resultará na retirada de 60% dos fundos que Ortega usa para obras de infraestrutura e que provêm do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

Para atrasar sua aprovação, o mandatário cercou a OEA confiante em conseguir a mediação de seu secretário-geral, o diplomata uruguaio Luis Almagro. Mas tudo indica que ele exigirá de Ortega, em troca, profundas reformas democráticas, o que poderá fazer com que as eleições municipais de 2017 fiquem livres de toda a suspeita.