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Opinião: O Muro de Berlim ainda existe

4 de fevereiro de 2018

Neste mês de fevereiro igualam-se o período de existência da barreira entre as duas Alemanhas e o transcorrido desde sua queda. Mas as velhas fronteiras entre Leste e Oeste perduram, opina o jornalista Marcel Fürstenau.

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Berlim: exatamente o mesmo tempo com e sem o Muro
Berlim: exatamente o mesmo tempo com e sem o MuroFoto: Stiftung Berliner Mauer

Eu cresci com a presença do Muro de Berlim, ele ficava a só umas centenas de metros do meu playground. Na adolescência – nesse meio tempo, nós tínhamos nos mudado –, eu olhava pela janela da cozinha para o outro lado, para o leste de Berlim.

Eu estava cercado, mas me sentia livre. E não era só autossugestão, pois podia viajar para toda parte, a qualquer momento. Até mesmo para a Alemanha Oriental (RDA), onde viviam nossos compatriotas que não podiam vir até nós. A não ser que fossem aposentados.

Quando, em 13 de agosto de 1961, foi construída aquela monstruosidade, com seus 160 quilômetros de extensão, eu ainda não existia, só vim ao mundo um ano e pouco mais tarde. Portanto o Muro era mais velho, mas eu sobrevivi a ele.

Marcel Fürstenau é jornalista da DW
Marcel Fürstenau é jornalista da DWFoto: DW

Agora eu já existo há quase o dobro do tempo que a "muralha antifascista" – assim os governantes da Alemanha comunista denominavam sua misantrópica, mortal construção, que corajosos cidadãos do Leste fizeram após insuportavelmente longos 28 anos, dois meses e 26 dias. E neste 5 de fevereiro completa-se exatamente esse mesmo tempo que o Muro de Berlim é história.

Portanto ele não existe mais, exceto alguns restos que foram preservados. E que são também necessários para dar à posteridade ao menos uma ideia das consequências que muros podem ter sobre os seres humanos, consequências que costumam perdurar ainda por muito tempo.

O elemento desagregador do passado se torna presente quando eu converso com antigos cidadãos da RDA sobre a vida deles na Alemanha unificada; quando, por exemplo, eles reclamam, geralmente com razão, de suas aposentadorias mais baixas. É vergonhoso elas ainda não terem sido integralmente equiparadas, passados mais de 28 anos da queda do Muro.

Não me espanto nem um pouco que muitos alemães-orientais continuem se sentindo como cidadãos de segunda classe. Nunca entendi por que das elites da RDA foram substituídas, em sua maioria, por gente do Oeste.

No caso de funcionários especialmente contaminados pela ideologia política, percebo a motivação, óbvio. Mas a purgação em empresas, universidades, ciência e cultura foi, para o meu gosto, muito mais além da medida absolutamente indispensável. Em pleno 2018, a presença alemã-oriental nos postos de liderança de todos os setores da sociedade está muito abaixo da média.

Devo considerar um consolo o fato de há 13 anos a minha chefe de governo ser Angela Merkel, socializada na Alemanha Oriental, porém nascida em Hamburgo? Não estou sendo tão sarcástico quanto pareça: pelo contrário, tenho plena convicção que teríamos avançado muito mais em termos de reunificação interna se houvesse mais gente do tipo de Merkel nas funções mais altas. Esse foi um dos motivos por que lamentei Joachim Gauck não ter se candidatado para um segundo mandato presidencial, em 2017.

No que se refere a um outro campo da política, há muito parei de querer entender: refiro-me à consequente marginalização do partido A Esquerda, originário da RDA. Até hoje os conservadores cristãos da CDU/CSU no governo se recusam a apresentar propostas em conjunto com os esquerdistas – o caso mais recente foi o debate sobre o antissemitismo, em meados de janeiro.

Esse é um tema em que todas as bancadas – excetuada a da Alternativa para a Alemanha, de tendência ultradireitista – estão de acordo: o antissemitismo deve ser incondicionalmente repudiado. Ainda assim, democrata-cristãos e social-cristãos se recusaram a unir forças com A Esquerda. Nesse momento, o mais tardar, eu teria desejado uma intervenção decidida de Angela Merkel, enquanto chanceler federal e líder da União Democrata Cristã (CDU)!

Para mim não há dúvida: quem até os dias atuais rejeita toda uma ala política em razão de suas raízes históricas, carece de maturidade democrática. É assim que se cimentam muros mentais num país em que o Muro de concreto caiu em 9 de novembro de 1989 – portanto 28 anos, dois meses e 27 dias atrás.

A atual data, em que essa barreira completa exatamente o mesmo tempo de não existência do que de pé, seria o momento ideal para também demolir os últimos muros nas cabeças. Os jovens nos mostram como isso é possível: para a grande maioria deles, Leste e Oeste não passam de pontos de orientação geográfica.

Recentemente celebrei na minha família o primeiro casamento alemão-alemão – como se diria antigamente. Ambos nasceram poucos anos antes da queda do Muro de Berlim, ele, no estado de Baden-Württemberg, ela, na Saxônia. Hoje o casal vive em Leipzig, a cidade dois heróis, cujos cidadãos contribuíram decisivamente para a revolução pacífica da RDA, com seus legendários "protestos de segunda-feira".

Felizmente histórias como essa são normais entre a geração de meus parentes mais jovens, à qual também pertencem os meus filhos. Muitos dos mais velhos poderiam tomá-los como exemplo, embora isso seja difícil para grande parte deles, por motivos em parte compreensíveis.

No que se refere aos responsáveis na política, desejo que também os últimos "guerreiros frios" finalmente reconheçam os sinais do tempo e façam jus à própria responsabilidade. Só aí os últimos muros também poderão cair.

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Marcel Fürstenau
Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.