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Opinião: Na Colômbia, paz não será sem dor

Thofern Uta
Uta Thofern
26 de setembro de 2016

Assinatura do acordo de paz na Colômbia é um ato histórico. Mas decisiva para o futuro do país será a ratificação dessa paz no referendo da próxima semana, opina Uta Thofern, chefe do departamento América Latina da DW.

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Quando o acordo de paz entre governo e os guerrilheiros das Farc for assinado hoje (26/09) em Cartagena, na costa caribenha da Colômbia, será um final bem-sucedido de longas e árduas negociações. Nada mais. Enquanto os cidadãos da Colômbia não se posicionarem claramente e de forma inequívoca a favor dessa paz, a assinatura histórica permanece um ato meramente administrativo.

Este consentimento não é algo tão certo como as sondagens podem fazer crer à primeira vista. O comparecimento às urnas vai desempenhar um papel tão importante quanto a convicção de muitos colombianos de que uma rejeição do acordo somente levaria a novas negociações com melhores resultados. É isso que almeja a campanha dos adversários, sob o lema "não é o verdadeiro sim para a paz".

Da perspectiva europeia, uma rejeição do acordo de paz no referendo é algo impensável e absolutamente incompreensível. Paz após mais de 50 anos de guerra civil – somente isso já é, de uma perspectiva internacional, motivo suficiente para uma clara aprovação deste acordo tão controverso na Colômbia. O conflito armado custou a vida de mais de 200 mil pessoas, mais de 5 milhões são deslocados internos; inúmeros foram feridos, mutilados, violados, tiveram seus futuros roubados. O acordo de paz é uma oportunidade única para colocar um fim neste horror – ninguém poderia ser contra isso!

Esta é a posição da maioria esmagadora dos observadores internacionais, e esta aprovação internacional quase unânime do acordo de paz do presidente Santos amargura os adversários de forma especial. Além disso, ela dá à campanha pelo "não" motivo para teorias da conspiração. Por isso, é importante analisar os argumentos dos adversários e levar seus medos a sério. Eles se dividem, a grosso modo, em duas categorias: as vítimas e aqueles que não estão envolvidos no conflito.

Os que não estão envolvidos são os moradores das cidades grandes, principalmente os ricos. A maioria deles só experimentou a guerra civil através do noticiário, protegidos na segurança de suas casas. O conflito na Colômbia ocorre na área rural, e as vítimas que conseguem chegar às cidades acabaram nas favelas, onde um rico jamais pôs os pés. Estes temem que a paz traga o comunismo e que eles, com isso, se tornem vítimas de falta de liberdade e de desapropriações. Pois, afinal, as Farc, reconhecidamente comunistas e revolucionárias, devem ganhar a chance de uma participação política normal. O sucessor político das Farc, entretanto, não conseguirá obter maiorias. Somente o fato de a guerrilha desistir voluntariamente é a maior prova de que a ideologia deles não conseguiu nenhuma vitória.

O fato de, neste ponto, não haver objeções internacionais ao acordo de paz, aliás, também é baseado na experiência histórica, como dos alemães, por exemplo. Após a queda do Muro, ao partido socialista único da Alemanha Oriental foram concedidas até regras especiais para que pudesse entrar para o Parlamento alemão. O partido que o sucedeu tem ainda hoje muitos eleitores, e inclusive governa um estado alemão. Mas nem por isso a Alemanha sucumbiu ao comunismo, e um político como Manuel Santos seria considerado, na melhor das hipóteses, um social-democrata conservador.

Convencer as vítimas sobre o acordo de paz já é mais difícil. Pois é verdade: eles não terão justiça. A paz, mais especificamente a pacificação da sociedade, tem tão pouco a ver com justiça como o Estado de Direito com a moral. A Justiça de transição colombiana concede penas mais brandas a muitos criminosos e cargos políticos aos ex-guerrilheiros. Isso é uma verdade amarga. Mas aqui também a experiência histórica de muitos países mostra que uma sociedade nova, livre e pacífica não é possível sem acordos dolorosos. Seja no Chile, na África do Sul ou na Irlanda do Norte – em nenhum lugar todos os culpados foram condenados. E um incansável trabalho de revisão do passado só é possível longo tempo após o recomeço, como nós alemães também aprendemos.

Mas um novo começo vale esse preço. A paz requer renúncias, e ainda demorará um longo tempo e será preciso trabalho diário até que a sociedade colombiana esteja realmente curada. Mas sem a paz tudo isso não vale nada.

Thofern Uta
Uta Thofern Chefe do Departamento América Latina. Democracia, Estado de direito e direitos humanos são seu foco.