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Opinião: Encíclica papal pode quebrar impasse sobre clima

John Berwick
18 de junho de 2015

A mudança climática é uma questão moral, não só porque afeta o planeta, mas porque ela prejudica sobretudo os pobres. Texto de Francisco foi escrito pensando nos menos favorecidos, opina John Berwick, da DW.

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24.10.2013 DW Quadriga Studiogast John Berwick

Os americanos céticos das mudanças climáticas já estão indignados. Até agora, apenas um dos republicanos que concorrem à presidência dos EUA considera as alterações no clima como um possível perigo, e agora o papa pede providências em nome dos pobres, que são, segundo ele, os que pagam pela cobiça das nações mais ricas.

"O papa deveria ficar com o seu trabalho, e vamos ficar com o nosso", diz James Inhofe, presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado americano. "Acho que provavelmente seria melhor se deixarmos a ciência para os cientistas", acrescenta o senador Rick Santorum.

Na verdade, as afirmações científicas na encíclica papal são modestas. Elas repetem apenas argumentos partilhados pela esmagadora maioria dos especialistas em clima. O que há de novo é a maneira como o papa Francisco chama atenção para as implicações morais das descobertas deles.

A encíclica foi programada para o máximo impacto público antes da visita do papa aos Estados Unidos, em setembro, quando ele vai discursar no Congresso, em Washington, e nas Nações Unidas, em Nova York. Isso pode desempenhar um papel crucial para pressionar os líderes políticos a chegar a um acordo substancial na Cúpula do Clima de Paris, no fim do ano. E este parece ter sido seu objetivo.

A mudança climática é uma questão moral, não só porque temos o dever de salvar nosso planeta, pelo bem das gerações futuras, mas, mais imediatamente, porque os pobres do mundo são muito mais afetados pelas alterações climáticas do que os ricos. Os níveis do mar estão subindo. Ciclones ficam mais fortes; chuvas, mais imprevisíveis, e ondas de calor cada vez mais longas e mais fortes já estão atacando países onde as pessoas lutam para ter o suficiente para comer.

O problema com a abordagem moral, porém, é que há uma grande diferença entre reconhecer uma responsabilidade e viver de acordo com ela. Um estudo realizado neste ano pelo Instituto Ipsos indicou que a maioria dos americanos já vê a redução das emissões de carbono como uma "obrigação moral".

No estudo, 72% dos entrevistados disseram que até mesmo sentem responsabilidade moral de reduzir as emissões em suas vidas diárias. No entanto, isso não significa necessariamente que eles estejam prontos para reduzir as suas próprias viagens aéreas ou desistir de seus carros.

Em sua análise penetrante do debate sobre mudanças climáticas, Don't even think about it (nem sequer pense nisso), George Marshall expôs as razões para nossa surpreendente inação. Desde o pessimismo dos especialistas, que simplesmente nos deprime, até o que o cientista e cineasta Randy Olsen chamou de "o grande impronunciável" (que toda a discussão sobre o clima é, francamente, chata), parece que dificilmente qualquer um de nós está motivado a fazer qualquer coisa para resolver o problema.

E isso inclui até mesmo abraçadores de árvores. Você pode separar o seu lixo e, cuidadosamente, enviar seus jornais para a reciclagem, mas, em seguida, no crepúsculo da retidão moral, você pode muito bem decidir reservar um voo de longa distância. Marshall, que trabalhou por muitos anos para o Greenpeace nos Estados Unidos, diz que os ambientalistas precisam mudar seu discurso. Eles precisam se conectar à "reverência" que milhões de pessoas sentem por certos "valores sagrados." É exatamente isso que a encíclica do papa faz.

As palavras do título e de abertura, "laudato si", são citadas do famoso Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, em que o "pequeno homem pobre" das colinas da Úmbria, no século 13, comemorava seu parentesco com o universo, agradecendo a Deus pelo "irmão sol", a "irmã lua e as estrelas" e "a mãe Terra".

Não é por acaso que Francisco de Assis é uma das figuras mais amadas da história religiosa, mesmo para além das fronteiras do cristianismo. Sua afinidade com o universo pode parecer sentimental para negociadores pragmáticos, mas recontada e explicada pelo papa argentino, pode influenciar milhões de eleitores americanos. E isso, por sua vez, pode vir a quebrar o atual impasse no debate sobre as mudanças climáticas.