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PolíticaVenezuela

Das eleições na Venezuela saem apenas perdedores

DW Quadriga - Johan Ramírez
Johan Ramírez
7 de dezembro de 2020

Apesar de o chavismo ter retomado o controle sobre o Parlamento, pleito traz derrotas não apenas para a oposição, a comunidade internacional e o povo venezuelano, mas também para o próprio Maduro, opina Johan Ramírez.

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O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, mostra um relógio que lhe foi dado pelo falecido astro do futebol argentino Diego Maradona após votar nas eleições para escolher os membros da Assembleia Nacional em Caracas, Venezuela, no domingo, 6 de dezembro de 2020.
Para Johán Ramírez, Maduro perdeu credibilidade entre a esquerda que ainda o apoiavaFoto: Ariana Cubillos/AP Photo/picture alliance

O dia 6 de dezembro entrará para a história da Venezuela como um sombrio dia de derrotas. As eleições parlamentares promovidas pelo chavismo são o acontecimento eleitoral mais infame de que se tem lembrança no país, e isso numa nação que já vem sendo corroída há um século por caudilhos, ditadores e corruptos. Neste domingo, tanto o chavismo quanto a oposição perderam. Perderam toda a América Latina e a comunidade internacional. Mas a mais dolorosa das derrotas foi a dos 30 milhões de venezuelanos, que diariamente sofrem a dureza de uma crise sem fim e que, fugindo dela, andam espalhados pelo mundo.

Embora tenha alcançado seu objetivo de assumir o controle do Parlamento, o chavismo perdeu. Porque chegou ao extremo de ameaçar submeter os venezuelanos a uma "quarentena de fome" caso não fossem votar, mas o país respondeu com abstenção. E esse é o maior revés que déspotas podem receber: que o povo deixe de temê-los.

É verdade que, a partir de 5 de janeiro, quando a nova Assembleia Nacional assumir seu mandato, Maduro terá um Parlamento a seu serviço. Mas ele perdeu aquele pedacinho de credibilidade que poderia restar na esquerda recalcitrante e retrógrada que ainda podia sustentá-lo. Como eles vão defender agora um regime que usurpa os partidos para forçá-los a participar de eleições fraudulentas? Foi o que aconteceu desta vez: Maduro demitiu os dirigentes das facções da oposição e, em seu lugar, colocou aliados seus, que, em nome dos partidos tradicionais, concordaram em se inscrever nas eleições legislativas. A paleta de cores na votação deste domingo é um circo tão ruim que beira o ridículo.

Mas também a oposição perdeu. E não pelos resultados, que já estavam escritos há meses. Perdeu porque, no final do seu mandato de cinco anos, mostrou-se incapaz de gerir a confiança que o povo lhe depositou em 2015, quando ganhou as eleições legislativas. Perdeu porque não conseguiu cristalizar a esperança dos quase 8 milhões de venezuelanos que lhe deram seu voto naquela ocasião. Perdeu porque, no alvorecer dessa vitória, foi desajeitada e arrogante, e depois de cinco anos, deixa um lamentável saldo de erros, nenhuma lei que proteja os mais vulneráveis, nenhum decreto digno de lembrança, nenhuma política pública que sirva de legado. E, à frente da oposição, Juan Guaidó também perdeu, porque terminou sua segunda legislatura sem cumprir a promessa de obter a saída de Maduro.

Também a comunidade internacional perdeu. Porque ficou demonstrada a impotência das vias diplomáticas. Porque constatamos que o Grupo de Lima é inútil e que o chamado Grupo Internacional de Contato é uma opereta sem graça. Porque a condenação da Comunidade Europeia permanece em declarações bombásticas no papel, e as ameaças de Trump se transformaram em bravatas. A linha dura imposta contra Maduro lembra aquela aplicada à Cuba de Fidel nos anos 1960, e o reconhecimento de Guaidó como presidente interino pode ser comparado ao recebido por Charles de Gaulle como líder da França Livre durante a Segunda Guerra Mundial.

Apesar de tudo, no domingo, Maduro novamente zombou de todos. Um lembrete perigoso para uma região fértil em autocratas: um governo pode fazer o que quiser, e a comunidade internacional não fará nada para impedi-lo.

Mas a maior de todas as derrota foi sofrida pelo povo venezuelano. Porque pouco importa quem delibera no plenário se não pode propor soluções para a crise. E hoje, o país acorda atolado na mesma podridão de ontem, contando milhões para ir ao supermercado, fazendo filas quilométricas em postos de combustível numa nação petrolífera, com crianças esquálidas e sem refeitórios populares, com hospitais estremecidos diante de apagões e cortes de água, e com mães e pais se despedindo de seus filhos que, imaginando mil aventuras, vão para o exterior em busca do futuro que lhes foi roubado em seu país.

No dia 6 de dezembro, só houve perdedores, porque na política não adianta ganhar se não forem oferecidas soluções. É por isso que hoje todos temos um nó insuportável na garganta, um gosto intragável de fracasso.

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O jornalista venezuelano Johan Ramírez é correspondente da Deutsche Welle na América Latina. O texto reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.