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Opinião: Crise migratória é tarefa do século

Alexander Kudascheff
23 de dezembro de 2015

Nunca antes tantos imigrantes haviam chegado à Alemanha num espaço de tempo tão breve. Para o editor-chefe da DW, Alexander Kudascheff, isso exige muito, tanto dos refugiados quanto dos residentes do país.

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Kudascheff Alexander
Alexander Kudascheff é editor-chefe da Deutsche Welle

Neste ano a Alemanha acolheu 1 milhão de refugiados, provavelmente mais. Um milhão de imigrantes em busca de refúgio, de proteção, de uma nova vida. Um milhão de seres humanos – uma verdadeira metrópole. Um milhão de pessoas que precisam o mais rapidamente possível de moradia, mas principalmente de trabalho.

E antes disso, têm de aprender alemão: as crianças, nos jardins de infância e escolas, os adultos, em cursos de língua. Um grande esforço dos alemães, e ainda maior, embora evidente, por parte dos refugiados. O que os alemães têm pela frente é uma tarefa do século para ao menos uma, talvez até mesmo duas, gerações.

A grande maioria dos refugiados vem da Síria, Iraque, Afeganistão, Eritreia. Eles provêm de países, de sociedades, de culturas sem liberdade e sem liberdades. Eles vêm de sociedades em que os laços religiosos são fortes, nas quais a família, por vezes também a tribo, vale mais do que o indivíduo ou até os indivíduos. Eles vêm de regiões com estruturas patriarcais e nas quais o Estado não é uma pátria, mas sim um inimigo.

E chegam a uma sociedade completamente oposta: aqui na Alemanha o indivíduo conta mais do que a comunidade; se a família se dissolve, o Estado representa um seguro contra os riscos da vida; a igualdade de direitos entre mulheres e homens e a autodeterminação sexual do indivíduo são fatos inquestionáveis. A Alemanha é uma sociedade aberta.

Ao se confrontar, no entanto, as duas partes terão de mudar, aprender a se aproximar uma da outra, sendo que as maiores exigências serão aos imigrantes. Eles, que procuraram a Alemanha como nova pátria, devem agora se adaptar às tradições, normas e costumes.

Eles também têm que respeitar o que lhes pareça estranho – sim, talvez até mesmo repugnante. Eles precisam se envolver na vida do país – sem, nem por isso, abandonar inteiramente a própria identidade cultural e linguística. Mas a Alemanha não é a Síria ou a Eritreia, e aqui não se pode viver como lá. Os migrantes devem, portanto, ser curiosos sobre sua nova vida na Alemanha.

Mas também a Alemanha vai mudar. Na opinião da chanceler federal Angela Merkel, dentro de 25 anos o país vai ser mais aberto, curioso, interessante, mais tolerante. Essa é uma perspectiva ambiciosa, pois na Alemanha contemporânea, há muito o cotidiano é isso tudo. Ainda assim, o país vai mudar: ele precisa, ao mesmo tempo, redefinir com confiança sua identidade moderna e aprender a se interessar pelo que vem de fora.

A cultura muçulmana não é somente a sharia, a lei tradicional do islã, não é somente a repressão da mulher, não é somente a burca. Ela é também tudo isso no dia a dia. Mas ela também foi a guardiã, para a Europa, da cultura grega, sucumbida durante a Idade Média. Ela é rica em tesouros, monumentos, em literatura, filosofia. Já é hora de nos aproximarmos dessa cultura com a mesma desinibição e espírito crítico de Johann Wolfgang von Goethe, em seu livro de poemas Divã Ocidental-Oriental.

A política para os refugiados está dominada por duas grandes ilusões. Da primeira, os alemães estão, justamente, se despedindo: a de que a Alemanha não é um país de imigrantes. Se, antes, isso já não era verdade, hoje muito menos: nós somos atraentes, portanto as pessoas querem vir para cá.

A segunda: de que a política para os refugiados e de asilo é uma política migratória a fim de resolver os problemas demográficos do país. Isso não faz o menor sentido, do ponto de vista político. Imigrantes são buscados de forma direcionada, também no tocante à quantidade – refugiados simplesmente chegam. Apesar disso, eles precisam ser integrados o mais rápido possível, tanto linguística quanto profissionalmente. E também do ponto de vista mental: eles escolheram a Alemanha como país da esperança. Então deveriam, sim, eles têm que transformar em sua esta sociedade aberta.