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Opinião: América Latina pode tirar lições da eleição nos EUA

Vitória de Donald Trump tem ao menos um efeito positivo: ela poderá acelerar a integração latino-americana, que muitos veem como fracassada, opina Uta Thofern.

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Uta Thofern é chefe da redação para a América Latina da Deutsche Welle

Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Algumas lições se podem tirar desse resultado. A primeira, que muitas pessoas veem como a maior surpresa: latinos não são sempre latinos. O famoso "voto hispânico", que muitos esperavam ter evitado a eleição de Trump, não aconteceu nessa forma. Por si só, essa expectativa já revela um preconceito, pois: o fato de quase um terço dos eleitores com raízes hispânicas ter votado nos republicanos se deve à simples razão de que essas pessoas também têm opiniões diferentes, dependendo de sua história pessoal e de sua situação de vida.

Um imigrante mexicano ilegal ameaçado de deportação vê Trump de forma bem diferente do que um empresário mexicano já estabelecido e com uma situação de residência assegurada, que defende proverbialmente que o "barco está lotado", pois ele já se garantiu lá dentro. Cubanos, que fugiram do regime Castro, e venezuelanos, que recentemente deram as contas em grande número para a versão bolivariana de socialismo em seu país, veem a política de diálogo do atual governo americano de forma bastante crítica.

A segunda lição diz respeito ao México, e tem diferentes aspectos. Primeiramente, que Trump venha a fazer realmente tudo para realizar as ameaças vistas por muitos como retórica irreal de campanha eleitoral e transforme a fronteira do país vizinho num muro intransponível. Em segundo lugar, que o México tenha realmente de pagar por esse muro, apesar da rápida reação do presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, declarando sua disposição de cooperar com Trump.

O governo americano tem muitas possibilidades de deixar o México sangrar, mesmo sem que os custos para a construção do muro sejam pagos pelo orçamento do país. E a economia mexicana vai sofrer bastante, a queda da cotação do peso após a eleição já aponta o caminho. Mas a dependência econômica não é unilateral. Preços mais altos para produtos mexicanos ou menos exportações para o México – que de qualquer forma é o segundo maior parceiro comercial dos americanos – prejudicam também a economia americana. Mas o país ao sul dos EUA tem alternativas, por exemplo, na Ásia, na Europa e, naturalmente, na América Latina. Como uma nação industrial, o México pode chegar lá.

Atualmente, Cuba também tem opções, e essa é outra lição a ser tirada do resultado eleitoral americano. Certamente, Trump vai pôr fim ao arrefecimento nas relações entre Havana e Washington, algo que deve aos seus eleitores cubanos na Flórida. Mas também ele não vai conseguir fazer com que o tempo volte atrás por completo. Se a liderança cubana agir agora com habilidade, investidores europeus, chineses e, naturalmente, russos vão tirar das mãos de muitos empresários americanos um negócio, que para eles já era motivo de alegria. Aliás, Cuba é vista como porta de entrada para outros mercados na América Latina. De qualquer forma, o Estado insular não deixa se intimidar: após a vitória de Trump, o jornal do partido governista anunciou uma semana de manobras militares para prevenir ações hostis.

A América do Sul começa somente ao sul da América Central e engloba 12 países, isso pode ser uma novidade ao menos para Trump, que se manifestou sobre planos concretos somente para um desses Estados. Ele quer apoiar a oposição venezuelana, algo que em si não é passível de crítica, mas que poderia ser uma ameaça para o tímido e incipiente diálogo na Venezuela.

Com o presidente argentino, Mauricio Macri, ele já fez negócios, mas sem grande sucesso. Trump já quis construir um arranha-céu no Uruguai, mas não o fez. Talvez ele não possua a experiência certa para ver as possibilidades econômicas que surgem atualmente no Brasil e na Argentina. Mas também nesses países, da mesma forma que em Chile, Equador, Peru e Bolívia, há outros interessados. E a Colômbia vai precisar encontrar outros apoiadores para o processo de paz, se Trump não se interessar por isso; Bogotá pode contar com a Alemanha. 

A vitória eleitoral de Trump, e esta é a última lição a ser tirada, poderia acelerar a integração latino-americana, já vista como fracassada. Um inimigo comum une mais do que todos os outros. E há muito que a América Latina deixou de ser o quintal dos Estados Unidos; Barack Obama trabalhou muito para recuperar terreno na região.

"Fazer a América grande novamente?" Quem levar isso a sério deve lembrar-se que o continente americano é maior que os EUA, muito maior. Trump faz a "sua" América menor.

Uta Thofern é chefe do departamento América Latina da DW.

Thofern Uta
Uta Thofern Chefe do Departamento América Latina. Democracia, Estado de direito e direitos humanos são seu foco.