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ONGs formam rede contra tráfico humano

Geraldo Hoffmann7 de dezembro de 2004

Organizações não-governamentais do Brasil e da Europa unem-se para combater exploração de crianças e mulheres pela indústria da prostituição e do turismo sexual. Problema assume dimensões alarmantes.

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Foto: Priscila Siqueira

Há cerca de um mês, a Polícia Federal desbaratou em Fortaleza (CE) uma quadrilha de prostituição e turismo sexual, comandada pelo alemão O.F.G. Na casa do alemão, foi descoberto um cadastro com mais de 500 mulheres e crianças que ele negociava pela internet. Além disso, foram apreendidas mais de mil fotos, câmeras digitais e computadores. A polícia encontrou também listas de clientes que pagaram cerca de 3000 euros por pacote de turismo sexual – a maioria eram europeus, principalmente alemães, austríacos e suíços.

Este fato, que repercutiu na imprensa alemã, "não é um caso isolado", diz Priscila Siqueira, articuladora do Serviço à Mulher Marginalizada (SMM), de São Paulo. Segundo ela, impulsionado por três fatores (oferta, demanda e impunidade), o Tráfico de Seres Humanos (TSH) tornou-se uma "atividade empresarial globalizada, que movimenta 12 bilhões de dólares, com quatro milhões de vítimas por ano em todo o mundo".

Brasilianische Kampagne gegen Frauenhandel
Foto: Priscila Siqueira

Em entrevista à DW-WORLD, Siqueira mencionou o Relatório sobre Tráfico de Pessoas 2004, do Departamento de Estado norte-americano, segundo o qual "cerca de 75 mil mulheres e adolescentes brasileiras, muitas delas vítimas do tráfico humano, atuam em redes de prostituição na Europa. Outras cinco mil estão em países da América Latina".

Sete mil brasileiras na Alemanha

Um relatório da ONU sobre exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil, divulgado em Genebra (Suíça), no início deste ano, cita a existência de 241 rotas nacionais e internacionais de tráfico de mulheres, crianças e adolescentes. As vítimas são enviadas para dez países, entre eles Espanha, Alemanha, Portugal, Itália, Suíça e Holanda, sendo que a Espanha é apontada como principal receptador.

Segundo Siqueira, à semelhança do que ocorre no tráfico de drogas, "não há dados confiáveis sobre o TSH. O Itamaraty, por exemplo, estima que cerca de 20 mil brasileiras trabalham na indústria do sexo espanhola – 10 mil só em Bilbao – e acredita que a maioria saiu do Brasil pensando que iria trabalhar como babá ou modelo". A Alemanha, acrescenta, já teria "importado" em torno de sete mil brasileiras pelo mesmo tipo de comércio. "Mas os alemães também gostam de colombianas e venezuelanas", diz.

Promessa de emprego lucrativo

Brasilianische Kampagne gegen Frauenhandel
Foto: Priscila Siqueira

O SMM constatou que há basicamente duas formas de aliciamento das vítimas no Brasil. Nas capitais litorâneas do Nordeste, como Fortaleza, Recife, Natal, Salvador, ou mesmo no Rio de Janeiro, "o turismo sexual, incentivado inclusive pela política de turismo brasileira," é uma das portas de entrada para a rede de TSH.

Já na região Centro-Oeste, "onde o turismo sexual é quase inexistente, predomina o fornecimento de jovens mulheres para a prostituição na Europa. Muitas vezes, o negócio é camuflado sob a forma de ofertas de emprego para bailarinas e babás, com promessas salariais entre 6 e 18 mil euros, ou propostas de casamento", afirma Siqueira.

Um estudo divulgado em maio de 2004 pelo Ministério da Justiça em parceria com a ONU revela que o biótipo da mulher goiana – estatura média para alta e pele morena de cafuzo – tornou-se símbolo de referência para os homens europeus. "O tráfico de mulheres entre 19 e 30 anos coloca Goiás como um dos Estados líderes na exportação de 'beldades' para a indústria do sexo na Europa, ao lado do Ceará", afirma a articuladora do SMM.

Alarmado, o governo estadual de Goiás criou até um departamento especial para enfrentar o problema. Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar denúncias de exploração sexual infantil em todo o país. Depois de um ano de investigações, a CPMI pediu ao Ministério Público o indiciamento de 250 pessoas, entre elas, 20 políticos, quatro juízes, cinco líderes religiosos (pastores evangélicos e pais-de-santo), dois delegados de polícia, cinco médicos e empresários. A Paraíba tem o maior número de acusados, seguido pelo Maranhão e Rio Grande do Sul. "Os processos estão em andamento e esperamos que, nos casos de crime comprovado, haja punição", diz Siqueira.

Enfrentamento internacional

Por se tratar de um problema global, a SMM busca contatos no exterior para formar uma rede de ONGs capaz de influir na definição de políticas públicas de combate ao TSH e ao turismo sexual, incluindo uma legislação mais ágil. "O Código Penal Brasileiro é de 1939 e precisa ser reformulado, principalmente no artigo 231, que trata do tráfico de mulheres", diz Siqueira.

Na sua opinião, "toda política pública começa pela indignação da sociedade". Para seu trabalho de esclarecimento e lobby, a SMM já conta com a parceria das organizações Misereor e Arca Nova (Alemanha), Cordaid (Holanda), AIN (Noruega) e da Embaixada da Austrália no Brasil. No momento, busca contatos também na Espanha. A idéia é formar uma "rede de enfrentamento".

Brasilianische Kampagne gegen Frauenhandel
Foto: Priscila Siqueira

Pressionado pelas ONGs, o governo brasileiro já iniciou uma campanha nacional de combate ao Tráfico de Seres Humanos. As delegacias da Polícia Federal inserem nos passaportes emitidos no país um folheto informativo, cujo modelo foi elaborado pelo SMM. Estão previstos ainda a instalação de um escritório especializado no assunto no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) e um treinamento especial para autoridades policiais, juízes e diplomatas que trabalham em embaixadas e consulados brasileiros.

Segundo Michaela Verboom, responsável pelo Brasil na Misereor, "a legislação brasileira, por exemplo, o Estatuto da Criança, é excelente. O que falta é controle". Siqueira diz que é necessário também atacar as causas sociais e culturais do problema. "É preciso oferecer uma perspectiva para milhões de mulheres e adolescentes que vivem na miséria no Brasil e mudar a imagem da mulher brasileira, vendida nas propagandas de turismo no exterior como quente, sensual, ávida por sexo", afirma.