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O zoológico da interatividade

Simone de Mello3 de fevereiro de 2003

Neste ano, a Transmediale, festival de arte e mídia de Berlim, resolveu não premiar trabalhos de "arte interativa", preferindo questionar se este âmbito de criação está em crise ou se deixou de fazer sentido.

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David Co: La pasion de marialuisaFoto: presse

Numa estação de bonde de Praga, passantes são vigiados por uma câmera e suas imagens divulgadas simultaneamente num site da internet, onde os usuários podem fazer comentários a serem transmitidos diretamente aos passantes. Assim como este trabalho do suíço Martin Hermes, intitulado Spolus, o projeto Circulez y‘a rien à voir, da francesa Cècile Babiole, problematiza o papel social das câmeras de vigilância e os limites tênues entre esfera pública e privada: a instalação, baseada em motion capture e transformação audiovisual de movimento, leva passantes a interagir com a câmera, sem notar, em diferentes espaços públicos.

Já o projeto Deterritoriale Schlingen, do duo Thom Kubli e Sven Mann, da Alemanha, consiste de um espaço sonoro com rádios cujas diferentes freqüências de recepção se alternam de acordo com o movimento do observador ou "interator".

Uma crise conceitual?

Estas foram as três obras nomeadas pela Transmediale na categoria "arte interativa". No entanto, a maioria das obras apresentadas no festival, sobretudo os trabalhos de web art, são necessariamente interativos. Indo mais longe, pode-se perguntar – com razão – existe arte que não seja interativa?

Nos anos 90, a arte interativa era vista como a disciplina magna das artes eletrônicas. Se a concepção de interatividade até os anos 80 se referia mais à relação ativa entre artista/obra e observador, na década seguinte o termo passou a designar concretamente a relação homem/máquina e as diferentes possibilidades de interface.

Agora que a euforia passou, que a arte interativa já se estabeleceu, entrou para os museus e vem conquistando os espaços públicos, parece que a fonte de inovação secou. E os teóricos – e sobretudo membros de júri – se vêem no difícil papel de estabelecer critérios para avaliar a qualidade do envolvimento do "interator" com a obra e a relevância social de projetos interativos.

Interativa ou interautista?

Sally Jane Norman, membro do júri da Transmediale e diretora da École Supérieure de l‘Image (Angoulême/Poitiers), lança questões polêmicas: Será que a arte interativa se limita apenas ao gesto retórico de atribuir ao observador o poder de participação no processo artístico? Diante da crescente tendência de as obras serem realizadas a pedido de museus, instituições públicas e privadas, será que a arte interativa não perdeu seu caráter de intervenção? Mais do que isso, arrisca Norman, será que isso não limita os artistas que trabalham com interatividade a uma espécie de zoológico?

Embora arte interativa não se reduza à mídia eletrônica, este é o âmbito em que mais se experimenta com interatividade hoje. Sobretudo os artistas reclamam do contra-senso: a arte que deveria aproximar o artista do público e "democratizar" o fazer artístico acabou se tornando cada vez mais elitista, sobretudo diante dos custos de produção.

Esta discussão vem a calhar, sobretudo na Transmediale deste ano, que em sua 16ª edição elegeu o slogan "Play Global" como desafio e provocação. Para os organizadores do festival, Andreas Broeckmann e Susanne Jaschko, a globalização representa uma realidade a ser criticada, mas não negada: "Pretendemos mostrar que uma globalização artística pode levar a propostas alternativas e talvez mais humanas e que os artistas podem esboçar imagens do mundo em que culturas individuais e coletivas, locais ou independentes de lugar possam manter sua própria identidade."