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O lado intraduzível do alemão

(Hilde Regeniter / rr)14 de janeiro de 2005

Duas jornalistas italianas publicaram um compêndio de termos não só de difícil tradução, mas chaves para compreender o espírito e a maneira de pensar dos alemães. Como "Weltanschauung", literalmente visão de mundo.

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"A língua é o espelho da alma: um homem é como ele fala." O provérbio do poeta romano Publius Syrus nos acompanha desde o primeiro século antes de Cristo e foi também o ponto de partida para as jornalistas italianas Francesca Predazzi e Vanna Vannuccini.

Durante anos, elas trabalharam como correspondentes para jornais italianos na Alemanha, o que permitiu que conhecessem de perto a política, economia e cultura do país. Mas sempre houve palavras e expressões nas quais elas forçosamente esbarravam. São termos de difícil tradução, para os quais era muitas vezes difícil encontrar sequer uma correlação em sua língua materna.

Por isso, elas decidiram reuni-las no livro Piccolo viaggio nell'anima tedesca (Pequena viagem à alma alemã, 2004). "Freqüentemente conversávamos a respeito dessas palavras e da experiência que tínhamos com elas. Então tivemos a idéia de reuni-las e comentá-las, pois a língua reflete o espírito de um povo", explica Vannuccini.

Mas elas não queriam juntar apenas palavras intraduzíveis. "As autoras expuseram a origem de toda forma de singularidade no grande tesouro da cultura alemã: a língua", escreveu o Frankfurter Allgemeine Zeitung sobre o projeto. Assim, elas escolheram termos que consideram ideais para transmitir a realidade alemã.

Uma palavra, vários contextos

Um bom exemplo é o substantivo Weltanschauung. "No capítulo dedicado a esse vocábulo, há uma entrevista com Albert Speer, na qual ele descreve a weltanschauung dos nazistas. Uma com Heinrich Böll, que descreve a weltanschauung da República Federal Alemã. Outra com Markus Wolf, que trata da Weltanschauung da República Democrática Alemã, e mais outra com Joschka Fischer, que fala da weltanschauung na República de hoje, com capital em Berlim. É uma palavra que as pessoas usam para falar da atualidade alemã e do espírito alemão", explica Predazzi.

Heinrich Böll
Heinrich Böll, Nobel de literatura em 1972Foto: AP

Speer era o arquiteto predileto de Hitler, além de ministro de Armamentos e mais tarde da Economia durante o governo nazista. Böll era um renomado escritor, agraciado com o Nobel de Literatura em 1972. Wolf era chefe do serviço secreto da RDA, e Fischer é o atual ministro das Relações Exteriores da Alemanha. Em diferentes épocas e com propósitos variados, todos empregaram a mesma palavra para descrever a ideologia e o estado de espírito que reinavam no país.

Uso polêmico até entre alemães

Schauspieler und Sänger Manfred Krug
O ator Manfred KrugFoto: AP

A palavra Weltanschauung (literalmente, ''visão de mundo') tem suas raízes etimológicas no século 18. Ela é usada para descrever a maneira pela qual uma pessoa enxerga o mundo, a imagem que faz da vida e dos homens, e já foi adotada no vocabulário regular de diversas línguas, sendo utilizada inclusive em português como sinônimo de "cosmovisão".

O ator alemão Manfred Krug, que passou sua juventude na RDA, lembra que a palavra é freqüentemente empregada no sentido de ideologia. Neste caso, trata-se de uma imagem do mundo que é imposta ou inculcada em alguém, e não adquirida por experiência própria. "A RDA exigia de mim uma Weltanschauung, sem que eu pudesse ver o mundo ('die Welt anschauen') com meus próprios olhos", critica.