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O diplomata Vieira de Mello no lugar da rebelde Mary Robinson

Soraia Vilela12 de setembro de 2002

A saída de Mary Robinson do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos foi lamentada por ONGs européias. Sérgio Vieira de Mello é visto com precaução. Receia-se um excesso de diplomacia do filósofo de boas maneiras.

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Sérgio Vieira de Mello assume o Alto Comissariado da ONU para os Direitos HumanosFoto: AP

Sérgio Vieira de Mello, um veterano nos meandros da ONU, tem que agradecer o novo cargo à inquietude da sua antecessora. A irlandesa Mary Robinson, durante o tempo em que ocupou o posto, comprou abertamente briga com vários poderosos do planeta. Os EUA foram atacados pelas condições a que os prisioneiros de Guantánamo são submetidos. A Rússia levou um puxão de orelha pelo conflito na Chechênia e a China, pelo Tibete.

Mais charme, menos rebeldia –

A resposta de Robinson sempre foi concisa: "Vim para resolver o trabalho e não para me manter no cargo." É exatamente esta a vantagem vista em Vieira de Mello por representantes governamentais mundo afora. Espera-se que o brasileiro faça jus a seu currículo na diplomacia e "politize menos" o cargo, como Robinson, com seu perfil de defensora do Terceiro Mundo.

Visto por seus colegas como um "homem de charme", Vieira de Mello vai ter que provar que tem habilidade em agradar duas frentes, além de saber dividir os parcos 2% do orçamento total da ONU, destinados aos direitos humanos. "O cargo de alto comissário é extremamente observado por todos os países. Logo, é necessário haver um certo equilíbrio: por um lado, é preciso divulgar todos os desrespeitos aos direitos humanos. Por outro lado, tem-se que estar ciente da natureza política do cargo", comenta Melinda Ching, da Anistia Internacional em Genebra.

Respeito ao poder –

Se Robinson escancarava mais as mazelas que testemunhava pelo mundo, teme-se que Vieira de Mello venha a pecar por um excesso de medo em contrariar o poder. "A ele falta a experiência necessária; ele precisa provar que sabe representar as vítimas frente aos governos", criticou há pouco um membro da organização Human Rights Watch, em entrevista ao diário alemão Süddeutsche Zeitung.

Vieira de Mello, no entanto, pode ser considerado um veterano da luta pelos direitos humanos, mesmo que sempre na confortável posição de um enviado das Nações Unidas. Em seus 54 anos de vida, o filósofo brasileiro participou de uma série de missões delicadas: Bangladesh, Sudão, Chipre, Peru e Moçambique, entre outros.

Trajetória –

Entre 1981 e 1983, Vieira de Mello foi o principal assessor das tropas da ONU no Líbano. Em maio de 1999, ainda durante os bombardeios da OTAN à Iugoslávia, foi enviado em uma viagem de reconhecimento ao Kosovo. Após o fim da guerra, o brasileiro chefiou a unidade administrativa da ONU na região, antes de ser enviado a outro campo minado: o Timor Leste.

Há anos, a destreza em negociar de Vieira de Mello é vista com bons olhos nos bastidores das Nações Unidas. Até mesmo para o posto de sucessor do secretário-geral Kofi Annan, o nome do brasileiro já foi mencionado. Como defensores da diplomacia e não do confronto, Vieira de Mello e Annan cultivam excelentes relações.

Enquanto a quase rebeldia de Mary Robinson tornou-se uma pedra no sapato da ONU, é provável que a suavidade de Vieira de Mello venha a agradar o poder. "Penso que ele é bem melhor que Robinson", defendeu Richard Holbroke, ex-embaixador norte-americano na ONU. Vieira de Mello foi, diga-se de passagem, nomeado para o cargo com o aval dos EUA. Brevemente, no entanto, o brasileiro terá que proclamar a independência de suas posições perante Washington. Isso, se quiser realmente encarar a tarefa à que se propõe: a defesa dos direitos humanos.