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O Brasil na imprensa alemã

21 de junho de 2017

Desfile carnavalesco do Rio de Janeiro colocado sob ameaça por prefeito evangélico e viagem de Temer à Rússia em meio a saia justa em disputa de ruralistas por unidades de conservação na Amazônia são destaques da semana.

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Desfile da Beija-Flor em 2016, no Rio de Janeiro
Desfile da Beija-Flor em 2016Foto: Reuters/S. Moraes

Süddeutsche Zeitung – O diabo dança samba, 20/06/2017

Não deixe o samba morrer é uma das canções mais famosas do Carnaval do Rio de Janeiro dos anos 1970. Em meados de junho de 2017, ela é cantada por manifestantes pelas ruas da cidade. A letra, na época uma melancólica declaração de amor, se transformou em grito de batalha contra uma ameaça bem concreta. Muitos cariocas se perguntam, de fato, se o samba vai perecer. O Rio, tão abalado pelas crises, luta agora pelo cerne da própria identidade.

O prefeito Marcelo Crivella, no cargo desde o início do ano, pretende cortar pela metade as subvenções das escolas de samba. A soma economizada, equivalente a 3,5 milhões de euros, deverá ser investida em creches. À primeira vista, parece razoável. Um ano atrás, o Rio declarou estado de emergência financeira. A situação é dramática, sobretudo nas áreas de saúde e educação. E depois do gigantesco prejuízo econômico que se chamou Jogos Olímpicos, tudo só ficou ainda pior.

Mesmo assim, Crivella se defronta agora com uma tempestade de indignação: personalidades da cultura, meios de comunicação importantes e incontáveis fãs do Carnaval tacham o anúncio de demagógico. Aquela que é, de longe, a festa popular mais importante da cidade, dizem, não pode ser jogada contra as crianças, cujo cuidado, de qualquer modo, é responsabilidade da política local. Crivella é acusado de utilizar um pretexto barato para converter o Rio segundo suas convicções.

Ele é ex-bispo e exorcista de uma seita evangélica para a qual o licencioso Carnaval, com sua origem afro-brasileira, é um pecado demoníaco. Em fevereiro, Crivella escreveu história municipal, como primeiro prefeito a se recusar a abrir o célebre desfile das escolas de samba. Não obstante, a prefeitura continua a vender o evento como "maior show do planeta".

Nessa briga, paira agora também no ar algo, a rigor, impensável: as escolas de samba ameaçam cancelar esse show no próximo ano. [...] Calcula-se que 200 mil empregos na cidade dependam direta ou indiretamente do espetáculo. Além disso, ele atrai anualmente cerca de 1 milhão de turistas, e por isso os hoteleiros estão em pé de guerra contra os planos de austeridade de Crivella.

O maior jornal do Rio, O Globo, tem uma sugestão de conciliação plausível: não seria melhor investir nas creches uma parte dos milhões que o Carnaval gera, em vez de deixar o samba morrer?

Der Tagesspiegel – Rio pode ficar sem Carnaval, 17/06/2017

Rio sem Carnaval? Isso não seria como café sem cafeína, o Gordo sem o Magro, Trump sem Twitter? Acabaria toda a graça. Mas a ameaça foi pronunciada: as escolas de samba do Rio anunciaram que vão cancelar o Carnaval em 2018. O motivo: o prefeito Marcelo Crivella diz que precisa economizar. Ele cortou a metade da verba que as escolas de samba recebem da cidade para a organização do carnaval, equivalente a 3,5 milhões de euros. Crivella, prefeito desde janeiro, prefere investir o dinheiro nas 160 creches municipais.

[...]

Mas a verdade também é que Crivella é pastor de uma seita evangélica conservadora. Sua Igreja Universal do Reino de Deus rechaça os excessos e considera o Carnaval coisa do diabo. Este ano, Crivella não compareceu ao tradicional desfile no Sambódromo. Sua demonstrativa ausência também se explica pelo fato de algumas escolas de samba tematizarem as raízes africanas do Brasil. A Igreja de Crivella, contudo, demoniza a cultura afro-brasileira. Nesse contexto, tem-se a impressão de que ele encontrou agora um pretexto barato para impor seu fundamentalismo cristão, "descarnavalizando" o Rio.

No entanto, ainda não foi dita a última palavra sobre o assunto. A Liga das Escolas de Samba enviou uma carta aberta ao prefeito, enfatizando que a subvenção municipal não é um donativo, mas sim um investimento. O desfile cria milhares de postos de trabalho, atrai numerosos turistas à cidade e proporciona arrecadações gigantescas, afirma.

A cada ano são faturados 1 bilhão de euros, segundo estimativas da agência de turismo Riotur. Até agora, ninguém consegue realmente imaginar que o desfile de 2018 vá ser cancelado. As escolas de samba solicitaram um encontro com o prefeito.

Süddeutsche Zeitung – Michel Temer: presidente envolto por escândalos, 17/06/2017

O quer que aconteça com Michel Temer, entediar-se ele não vai. Na próxima semana, o presidente do Brasil parte para uma viagem longamente programada, para a qual, porém, não há mais lugar na agenda dele. Segundo as más línguas, ele só voa para a Rússia a fim de evitar a impressão de que "seu país esteja parado". Realmente não se pode dizer que o Brasil esteja parado. Muita coisa se move – só que não na direção de uma democracia funcional.

A expectativa generalizada é que em breve o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vá apresentar queixa contra o presidente diante do Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção, obstrução da Justiça e formação de quadrilha. Assim, enquanto Temer representa na Rússia o papel de político atuante, pode estar começando em Brasília a batalha decisiva para sua retirada. E como se isso não bastasse para o político de 76 anos, que desde o primeiro dia aparenta estar cansado do cargo, antes de partir para Moscou ele ainda terá que decidir depressa se salva o mundo.

A contribuição para a salvação do mundo tem a ver com a selva amazônica, a qual cobre quase a metade do território brasileiro – ainda. Essa floresta tropical é considerada o maior reservatório de água doce da Terra e influencia decisivamente o clima do planeta. Por estes dias, contudo, ela vem sendo tratada como uma carta no pôquer de poder de Brasília.

Até a próxima semana, Temer tem a possibilidade de bloquear, com seu veto presidencial [e assim o fez nesta segunda-feira], duas medidas provisórias já aprovadas pelo Senado, que permitem a transformação de mais de 600 mil hectares de unidades de conservação em áreas de cultivo e criação de gado. As medidas fazem parte de uma série de iniciativas visando fomentar a agropecuária, mas que prejudicam a Amazônia. Segundo organizações ambientais, uma área do tamanho de Portugal estaria em perigo.

Com isso, ficaria também ameaçada a contribuição brasileira para o Acordo de Paris sobre o clima. Por um lado, Temer é visto como adepto do pacto, mas, por outro, seu futuro político depende de ele manter uma maioria estável no Congresso. Só assim poderá impedir o processo iminente do STF e, consequentemente, sua suspensão.

O lobby agrário suprapartidário também integra essa maioria no Congresso, portanto aqueles que forçaram a aprovação da lei de desmatamento. Esses ruralistas, que ocupam mais de 200 dos 513 assentos parlamentares, já ameaçaram por diversas vezes uma retaliação, caso o presidente da República faça uso de seu direito de veto.

Com um mínimo de exagero, a questão diante da qual se encontra Temer é: cairá ele próprio ou cairão as árvores?

AV/ots