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"Não significa não": um marco na história alemã

Naomi Conrad (md)7 de julho de 2016

Ativistas dos direitos das mulheres lutavam há longo tempo por reforma do código penal da Alemanha, que para muitos abordava a questão do estupro de forma "medieval". Atualmente, só 6% dos crimes sexuais são denunciados.

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Foto: pictue-alliance/dpa/I.Kjer

Frequentemente, batem na porta da advogada Christina Clemm clientes que, ela sabe, provavelmente não terão chance de sucesso. "São mulheres que foram molestadas no trem, que sofreram assédio de homens que botaram a mão nos seus seios, por baixo da camisa ou que se esfregaram nelas por trás", conta. Ou mulheres que dormiram no sofá de um amigo depois de uma festa, porque perderam o último metrô. "Na manhã seguinte, ela acorda, com o homem colocando as mãos por baixo de suas roupas, tocando seu órgão genital, apesar dos protestos." Este último caso foi arquivado recentemente. O tribunal considerou que a vítima não ofereceu resistência.

Segundo a atual lei alemã, o ato sexual só é considerado estupro quando a vítima resiste, o agressor utiliza violência ou ameaças. Se a mulher implorar para o homem parar ou chorar, isso não é suficiente para condenar o agressor. Por isso, passar a mão, colocar as mãos nos seios ou nas nádegas são atos que podem ficar impune. Em suma: segundo juristas e ativistas dos direitos da mulher, propriedade material é mais bem protegida por lei na Alemanha do que a autodeterminação sexual

Isso deve mudar agora: nesta quinta-feira (07/07) uma legislação mais rígida sobre crimes sexuais, baseada no princípio "não significa não, foi aprovada pelo Parlamento alemão.

A nova legislação classifica como estupro todo ato sexual que tenha ocorrido sem o consentimento da vítima, independentemente de ter havido ou não violência – por exemplo se a vítima, por meio de palavras ou gestos, tiver expressado que não queria o ato sexual.

Ativistas dos direitos das mulheres lutavam há um longo tempo para uma reforma do código penal alemão. Muitas vezes as vítimas ficam em estado de choque, ou não se defendem porque têm medo da violência e pensam que resistir só pioraria as coisas.

"A legislação é medieval", define Kristina Lunz, jovem e eloquente ativista da internet, uma das iniciadoras da campanha "Nein heisst nein" (não significa não). Ela mesma tem amigas que foram estupradas e não deram queixa na polícia. "Elas acham que não vale a pena, por causa da pergunta 'por que você não resistiu?'"

Ela se diz frustrada, pois a Alemanha assinou há tempos a Convenção Internacional de Istambul, segundo o qual todos os contatos sexuais não consensuais devem ser criminalizados. Entretanto, o país não ratificou a convenção.

"Não significa não": mulheres protestam em Berlim por lei mais severa contra violência sexual
"Não significa não": mulheres protestam em Berlim por lei mais severa contra violência sexualFoto: picture-alliance/dpa/W. Kumm

Ataques de Colônia como impulso

O Ministério da Justiça alemão elaborou no ano passado uma primeira proposta de lei. "Mas ela foi considerada por muitos deputados uma pedra no sapato", lamenta a vice-líder da bancada parlamentar do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD), Eva Högl.

Foi quando ocorreram os ataques contra mulheres na noite de Ano Novo em Colônia, em que grupos de homens vindos, segundo testemunhas, do norte da África, molestaram e roubaram dezenas de mulheres nas proximidades da estação de trem da cidade. O incidente fez enfraquecer a oposição dos deputados – muitos deles, homens – e provocou uma acalorada discussão na sociedade alemã.

E, de repente, tudo passou a andar mais rápido. O projeto de lei do Ministério da Justiça começou a ser discutido em março pela coalizão governamental. Mas muitos grupos criticam que o projeto não ia longe o suficiente, porque o princípio "não significa não" – que considera a vontade expressa da vítima como suficiente para penalizar o agressor – não era previsto no texto de forma explícita.

Se seguiram mais discussões, até que a coalizão de governo desse seu aval para o projeto nesta quinta-feira. O texto ainda terá que passar pelo Bundesrat, a câmara alta do Parlamento, o que provavelmente só deve ocorrer após o recesso de verão.

"O projeto de lei é um marco na Alemanha, um país onde até os anos 90 o estupro ocorrido dentro do casamento não era considerado crime", afirma a deputada Eva Högl. Segundo a nova lei, quem desrespeita a "vontade reconhecível" da vítima pode ser condenado a pena de até cinco anos de prisão. Além disso, agressões sexuais em grupo também passam a ser previstas como sujeitas a punição – uma consequência direta dos ataques em Colônia.

As mudanças são saudadas pelas associações alemãs de vítimas, como a organização Weisser Ring ou a Associação de Mulheres Juristas Alemãs, que lutaram pelas reformas. A advogada Dagmar Freudenberg, que trabalha na proteção a vítimas de violência sexual, elogia o projeto de lei como uma "mudança de paradigma" na legislação sobre crimes sexuais.

Ainda assim, a jurista duvida que a nova lei automaticamente resultará em mais condenações. Atualmente, de acordo com a Weisser Ring, apenas cerca de 6% de todos os crimes sexuais são denunciados, o que provavelmente não mudará muito, inicialmente.

Muitas vezes as vítimas têm vergonha de revelar a verdade abertamente, outras não querem reviver o trauma em um processo. Freudenberg lembra, ainda, a frequente dificuldade de se comprovar um crime sexual, que acontece geralmente sem testemunhas. "Então, muitas vezes é a palavra de um contra a palavra do outro", ressalta.

Mas para alguns a reforma vai longe demais. A advogada Christina Clemm considera a pena de dois anos por estupro sem violência muito alta. Ela também considera errada a conexão com o direito de residência, segundo a qual uma condenação pode levar mais rapidamente a uma deportação.

"Com certeza, isso não ajuda ninguém", afirma. Mesmo assim, ela elogia a "mudança de paradigma" contida na lei. Assim, talvez ela possa dizer a muitas clientes que elas terão uma chance perante a Justiça.