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"Não podemos nos isolar do conhecimento"

Ingun Arnold (av)9 de dezembro de 2005

O que é feito da dignidade humana, na era da engenharia genética? É possível saber "demais"? A DW-WORLD conversou com Wolfgang van den Daele, do Conselho de Ética da Alemanha.

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Células-tronco: a medicina do futuro?Foto: dpa
DW-WORLD: Segundo a Lei Fundamental alemã, a dignidade do ser humano é inviolável. Quem define o que é dignidade, e como se manifesta essa inviolabilidade?

Wolfgang van den Daele: A dignidade do homem, como consta na Constituição, é sobretudo a defesa do indivíduo e de sua autodeterminação perante a arbitrariedade do Estado. Entretanto, pode a dignidade tornar-se o limite da autodeterminação? Será portanto o conceito de dignidade o limite ou a base da liberdade? No momento, em face à possibilidade que tem a biotecnologia de modificar nossa vida e também a natureza humana, existe a tendência de se dizer: é preciso definir objetivamente o que é dignidade.

O que significa "objetivo" nesse contexto?

Sempre se tentou definir a dignidade humana recorrendo a valores culturais. Mas valores se transformam historicamente. O problema é o seguinte: desejamos reconhecer uma dignidade objetiva, em contraposição à livre decisão dos envolvidos? Isso diz respeito a questões como o consumo de drogas, peep shows, cirurgias plásticas e outras coisas que os envolvidos concordam em fazer ou permitem que outros façam com eles.

Por falar em beleza: o homem possui um direito fundamental ao acaso, ou tem o direito de corrigir a imperfeição?

Todo ser humano possui, se quiser, um direito fundamental ao acaso. Mas se ele não quiser, também tem direito à correção. Isso ninguém discute. A questão é antes esta: temos o direito de corrigir os outros? Por exemplo, os nossos filhos?

... e então, temos este direito?

Temos. E justamente se estamos convencidos de que é no interesse do bem-estar da criança. Quando alguém tem uma doença hereditária e não quer transmiti-la, podemos modificar as células-tronco. Não vejo onde isso possa atentar contra a dignidade humana. Não atenta contra a minha dignidade, nem a da criança, poupá-la da "chance" de vir ao mundo com uma severa moléstia hereditária.

O que acha da terapia genética, pesquisas com embriões, clonagem terapêutica?

No tocante à terapia genética, na minha opinião não existe qualquer motivo para deixar de interferir nos canais hereditários com o fim de, por exemplo, corrigir uma doença hereditária. O que se pode dizer contra isso? Quem diria, por exemplo: "Meu filho tem o direito de estar exposto à probabilidade de herdar a doença"?! Não vejo como justificar um tal direito.

Na pesquisa com embriões, depende se encaramos o embrião como uma pessoa, ou se o encaramos como algo que se pode "sacrificar" em nome dos interesses mais altos da vida humana – por exemplo, para desenvolver células-tronco que permitirão curar outros seres humanos.

Como se essa questão na Alemanha, em geral?

Protest gegen Klon-Patent
Protesto do Greenpeace contra patentes para organismos vivosFoto: AP

A briga é grande. Há quem diga: o embrião é uma pessoa com pleno direito à proteção da dignidade humana. Outros afirmam: o embrião é apenas o estágio preliminar de um ser humano. Tipicamente cita-se sempre a religião judaica neste contexto. Segundo ela, até 40 dias após a concepção, não há nada que conte. Também segundo a antiga doutrina católica, dominante durante séculos, até receber a alma, o embrião não conta em absoluto, do ponto de vista moral.

Eu também defendo o ponto de vista de que o embrião não é uma pessoa no sentido pleno do termo, mas sim apenas um estágio no desenvolvimento da vida humana. Ele pode – e deve – ceder diante dos direitos de outros à liberdade. Acho certo que grande parte da sociedade veja assim o embrião. Nem por isso o consideramos moralmente irrelevante!

No tocante à pesquisa: não podemos retroceder em relação ao que sabemos. Mas precisamos sempre saber tudo?

Não, não precisamos. Mas quando decidimos não saber algo, outros produzirão o conhecimento. Conhecimento não é controlável. É claro que não precisamos fazer tudo, mas quem somos "nós"?! A sociedade alemã? O indivíduo? O indivíduo não é obrigado a nada. Uma questão totalmente diversa: pode a sociedade forçar o indivíduo a não fazer algo?

Continue acompanhando a entrevista com Wolfgang van den Daele na próxima página.

Wolfgang van den Daele: É preciso ter bons motivos para que se puxem os freios, enquanto sociedade. Por exemplo: algo viola os direitos de outras pessoas. Não se pode realizar uma pesquisa em que se torturam pessoas para alcançar conhecimento. Um outro motivo seria: as conseqüências sociais são avassaladoras. Aqui é preciso justificar e comprovar muito bem, não basta simplesmente dizer "as conseqüências serão avassaladoras".

Não podemos nos isolar do conhecimento. Tão logo a ciência encontra a possibilidade de corrigir um determinado mal, as pessoas querem acesso a esse meio. Isso é humano. Porém duvido que, no tocante à bioética, disponhamos de normas morais compartilhadas em todo o mundo. É verdade que há os direitos humanos, porém não existe uma moral global que defina como se pode lidar com embriões.

um direito legal à obediência de certas normas? Ou a que a sociedade se oriente segundo determinados valores?

Não, só há a Constituição. E os direitos legais com base em acordos internacionais ou leis nacionais. As exigências morais são deduzidas a partir de princípios universais, e existem exigências morais baseadas em valores das comunidades locais – algo assim como uma "ética local". Quer dizer, cada sociedade tem padrões diferentes. E dentro delas também cada grupo possui um padrão diferente. Embora haja uma legislação aplicável a todos, não existe uma ética geral.

Porém existem ilhas de pesquisa em regiões e círculos culturais cujas normas diferem das da Europa Central. Estas expandem contínuamente os limites do fáctivel...

Está claro que nós, na Alemanha, não podemos dizer: "Vocês são imorais, atentam contra a dignidade humana". Só podemos dizer: "Aqui não fazemos isso". O que é interessante no tocante à pesquisa com células-tronco. Ela praticamente não acontece aqui, mas é praticada em outros lugares. O que significa que os resultados da pesquisa estão disponíveis. Então devemos ultilizá-los? Claro que sim! Se houver medicamentos, nós os importaremos, se houver possibilidades de transplantes, as empregaremos.

E como fica o dever de informação? Afinal, é preciso dizer às pessoas sob que condições se chegou a esses resultados.

... bem, não sei. Será preciso dizer? Quer dizer que as pessoas rejeitariam os resultados, se soubessem que houve o emprego de embriões?

Por exemplo...

... não, na verdade não acredito. Mas pode ser, é claro. Até agora, pelo menos, só existe a obrigação de indicar tudo fabricado com engenharia genética. Mas não é preciso especificar se algo, por exemplo, foi testado com procedimentos clínicos ou experimentos em seres humanos.

Existe um consenso internacional de que isso não é interessante como informação. Agora parlamentos nacionais poderiam certamente impor um dever de informação, mas não sei de tal coisa. Talvez haja pessoas que desejem isso, mas no momento suas cartas não são boas. Não vejo que haja em algum lugar uma maioria para tal, ou algum Parlamento que imponha um tal dever de informação.

Prof. Dr. Wolfgang van den Daele
Wolfgang van den DaeleFoto: WZ Berlin

O professor Wolfgang van den Daele é diretor do departamento Sociedade Civil e Redes Transnacionais, do Centro Científico de Pesquisa Social de Berlim (WZB). Atualmente ele é membro do Conselho Ético Nacional da Alemanha.