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Na Amazônia, ribeirinhos se sentem 'traídos' com novo Código Florestal

26 de maio de 2012

Veto de Dilma a pontos mais polêmicos não seria suficiente para manter a floresta, acusam ativistas. Para quem sempre preservou o verde, lei contempla interesses de quem sempre destruiu.

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Foto: picture-alliance/dpa

Longe do centro do poder em Brasília, Raimundo das Graças Chaves de Souza lamenta o processo de elaboração do novo Código Florestal brasileiro. "A nossa realidade é muito diferente da realidade de quem está propondo a lei. Queríamos uma lei feita com nossa participação." Ele é um dos líderes da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupa-Baquia, às margens do rio Amazonas, no estado do Pará.

Rodeado pela floresta, ele nasceu e cresceu entre as águas do maior rio do mundo, numa comunidade distante cinco horas de barco da cidade mais próxima. No quintal de sua casa, nessa área remota do Brasil, Graça discute com propriedade a lei ambiental aprovada "pelos políticos de Brasília": a informação ele busca na escola, onde termina o ensino médio, e nas reuniões com lideranças amazônicas. "Se você não conhece a floresta, não adianta fazer lei", critica.

Graça diz que as famílias que moram na reserva se sentem traídas – para eles, a lei não tem a função de preservar os recursos naturais da maior cobertura florestal do mundo. O medo é que o interesse de quem sempre derrubou a mata em busca de lucro rápido valha mais do que a sobrevivência da floresta.

O temor é bem fundamentado, avalia Luís Carlos Joels, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro. "Os representantes do interesse do agronegócio e da expansão do desmatamento, ligada à questão fundiária e novas fronteiras agrícolas, estão agindo há muito tempo", diz Joels, que também integra o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e atua como consultor independente.

O veto da presidente Dilma Rousseff aos pontos mais polêmicos, no entanto, é considerado positivo. "Isso manda uma mensagem para todo mundo: a legislação ambiental, mesmo que modificada, não será modificada para permitir o desmatamento, para permitir que seja feita qualquer coisa com nossos recursos florestais", opina Joels.

A presidente deixou para o último momento o anúncio de que vetaria 12 itens e faria 32 modificações na lei aprovada na Câmara dos Deputados. O prazo venceu nesta sexta-feira (25/05), dia em que a presidente encarregou os ministros do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, da Agricultura, Mendes Ribeiro, do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, de divulgar a notícia.

Expectativa frustrada

Para o Greenpeace, a operação "corta-e-cola" do governo federal foi insuficiente – em vez do veto parcial, Dilma precisava ter iniciado um novo processo, começando por eliminar o desmatamento, com base técnica e social desde o início. "O governo fez um anúncio vazio. E esse nada apresentado é o retrato do governo, que durante dois anos não deu as caras enquanto o Código Florestal era retalhado pelo Congresso", afirma Marcio Astrini, da campanha Amazônia do Greenpeace.

O Comitê Brasil em Defesa das Florestas, que reúne 200 entidades civis, tem opinião semelhante: a decisão da presidente mantém as florestas sob risco. O veto parcial frustrou a expectativa de ativistas em todo o Brasil. O grupo também critica o fato de o conteúdo das medidas não ter sido divulgado oficialmente – uma "total falta de transparência", acusa o Comitê.

Para as comunidades que vivem em área da fronteira agrícola, com no sul do Pará, em Rondônia, no sul do Amazonas, lembra Joels, a discussão de qualquer detalhe do Código Florestal tem uma grande influência na vida das pessoas. "Lá essas questões são muito importantes. Porque lá há o desmatamento; ele é um processo diário, constante, cotidiano."

A vida dentro da floresta

Um pouco mais longe da fronteira agrícola, na região da foz do rio Amazonas, Raimundo diz confiar mais na força da comunidade do que na sabedoria do governo para editar o Código Florestal. "Com toda a dificuldade, com os poucos recursos que temos, com muito entusiasmo e muita fé, temos esperança nas pessoas que lutam conosco. Cada comunidade toma a sua iniciativa. Vamos trabalhar a favor do que a gente tem, que é a floresta."

O líder comunitário e as outras 170 famílias que vivem na reserva não exploram a floresta em busca de riqueza. "A nossa ideia é ter sempre a floresta: ter o nosso sustento, e mantê-la para a minha família, para a família dos meus filhos, dos meus netos. Ter essa floresta para a gente. E para o mundo. O planeta precisa das florestas de pé."

Autora: Nádia Pontes, do Pará
Revisão: Roselaine Wandscheer