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Morte de Theo van Gogh: ferida persistente

(ks / av)4 de agosto de 2005

O assassinato do diretor de cinema e crítico do fundamentalismo islâmico levantou ondas de revolta e pânico na Holanda. Na superfície, a calma retornou, porém as tensões com os imigrantes muçulmanos continuam alarmantes.

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Manifestações em Amsterdã após morte do cineastaFoto: AP

Durante décadas a Holanda representou o exemplo de uma sociedade européia tolerante e multicultural. Entretanto, desde o assassinato do cineasta Theo van Gogh, crítico ostensivo do islamismo fundamentalista, essa imagem está maculada. E a convivência entre os patrícios arraigados e os imigrantes dos países muçulmanos tem-se provado mais difícil do que se imaginava.

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Juiz do processo Van Gogh, Udo Willem BentinckFoto: AP

O assassino de Van Gogh, um holandês de origem marroquina, foi condenado a prisão perpétua. Em 26 de julho de 2005, ao pronunciar a sentença, e ecoando a opinião de numerosos compatriotas, o juiz Udo Willem Bentinck disse ser esta a única punição adequada para Mohammed Bouyeri.

Ao contrário da Alemanha, onde a pena perpétua pode ser comutada após 15 anos, nos Países Baixos o termo deve ser compreendido literalmente. Ou seja: salvo se for anistiado pela rainha, Bouyeri passará o resto da vida atrás das grades.

Criminoso frio ou mártir

Ao abater o diretor em plena rua, em 2 de novembro de 2004, Mohammed Bouyeri evocara expressamente o islã. O atentado desencadeou uma série de investidas contra instituições islâmicas e cristãs no país. Agora, grande parte da população teme que o jovem de 27 anos se torne um herói e mártir para os muçulmanos de sua geração, e procura-se por todos os meios evitar uma escalada da radicalização.

Assim, Amsterdã fechou um acordo com as mesquitas, segundo o qual as comunidades muçulmanas se prontificam a denunciar imediatamente qualquer sinal de comportamento extremista. Em contrapartida, a municipalidade se compromete a agir prontamente, no caso de discriminação pública de islamitas ou pichação de mesquitas. O negociante turco Üzeyir Kabaktepe foi um dos iniciadores desse acordo: há tempos ele teme a escalada do clima social em seu país de opção.

Sem chances para jovens muçulmanos

O motivo principal da radicalização é o abismo que se criou entre a população holandesa e os imigrantes, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York. Uma situação que o assassinato de Theo van Gogh levou ao extremo.

Segundo Kabaktepe, os muçulmanos bem preparados da segunda geração – como Mohammed Bouyeri ou os autores dos atentados do último 7 de julho em Londres –, sentem-se especialmente estigmatizados, sendo portanto permeáveis a idéias radicais:

"Eles não suportam mais ter que ouvir quão negativo o islã supostamente é, e com ele, todos os árabes. Percebem que não têm chances no mercado de trabalho e que não são aceitos por esta sociedade", diagnostica Kabaktepe.

Incapacidade de relativizar

A desconfiança cresce de ambos os lados, pois Estado e universidades pretendem controlar com mais rigor a escolha de estudantes estrangeiros, assim como os que possuem um assim chamado "histórico de migração".

Até então, contava-se como prova de integração bem-sucedida o fato de haver cada vez mais imigrantes estudando nos Países Baixos. Porém, como aponta o docente Youssef Azghari, de 34 anos, ninguém previra a radicalização de uma parte dos imigrantes mais jovens. Ele próprio veio aos seis anos de idade do Marrocos para a Holanda e nota alarmado como "de súbito se trocam os jeans pelo djelaba [túnica clássica do mundo árabe]."

Azghari queixa-se do acúmulo de jovens muçulmanos nas salas de aula das universidades, explicando: não é que lhes falte aplicação, pelo contrário. Mas devido a sua socialização, carecem de outras qualidades extremamente importantes dentro do sistema educacional holandês. "Costuma faltar-lhes o olhar crítico, portanto, a capacidade de relativizar, e ocasionalmente colocar algo em questão".

Segundo o marroquino de nascimento, seus compatriotas precisam adaptar-se à cultura européia de debate. Muitos dos mais jovens não têm a capacidade de diferenciar e no fundo não compreenderam que é possível refutar as idéias e concepções de alguém, sem necessariamente ser contra a pessoa.

"Ferida não vai cicatrizar tão cedo"

Referindo-se aos muçulmanos que vieram ainda pequenos para a Europa, Azghari fala de uma "geração perdida". Por frustração e falta de autoconfiança, estes optam muitas vezes pelo islamismo extremo, ou mesmo militante. Com freqüência, eles têm a sensação de não pertencer a lugar nenhum e abominam tanto a sociedade ocidental, quanto seus próprios pais.

Prozessbeginn im Mordfall Theo van Gogh Angeklagter Mohammed B. (Bouyeri)
Mohammed BouyeriFoto: dpa

Quanto a estes, no mais das vezes mantêm uma existência cultural de nicho, procurando, ao interagir com o país em que vivem, simplesmente evitar pontos de atrito desagradáveis com o Estado e a sociedade. Esse perfil de "geração perdida" caracterizaria, por exemplo, o assassino de Van Gogh, afirma o professor universitário: "Não é á toa que Mohammed Bouyeri declarou no tribunal que, por motivos de fé, mataria também o próprio pai ou irmão ".

Mesmo os que, como Üzeyir Kabaktepe, se empenham pela integração, estão céticos. Embora não haja mais mesquitas e igrejas em chamas, como logo após a morte de Theo van Gogh, e pânico e histeria tenham passado, "essa ferida não vai cicatrizar tão cedo. Só posso esperar que as coisas permaneçam tranqüilas. A idéia de que possa ocorrer um novo incidente me tira o sono. É a última coisa de que precisamos", desabafa o turco radicado na Holanda.