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Missão secreta na biblioteca pública

Wolfgang Dick /am23 de fevereiro de 2003

No contexto dos preparativos norte-americanos para uma guerra contra o Iraque fala-se de informações obtidas pelos serviços secretos. Resta sempre a pergunta: são confiáveis tais informações?

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Segundo George Tenet, diretor da CIA, os serviços secretos não podem prever atentadosFoto: AP

Imediatamente depois de divulgada a mais recente gravação de Osama Bin Laden conclamando a atentados contra os Estados Unidos, o serviço secreto norte-americano CIA apressou-se em confirmar que a mensagem seria realmente do líder terrorista. Na opinião de especialistas, contudo, uma análise séria da gravação tardaria mais de uma semana.

O serviço secreto britânico MI5 apresentou um documento aos aliados, visando comprovar que o Iraque teria arsenal de armamentos proibidos. O secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, ressaltou a importância de tal prova no seu discurso frente ao Conselho de Segurança da ONU. Pouco depois, descobriu-se a verdadeira fonte do documento: tratava-se do trabalho de um estudante universitário, escrito na década de 90, com dados inteiramente ultrapassados.

Estes dois exemplos da "eficiência" dos serviços secretos não surpreendem o cientista político e perito em questões de segurança Erich Schmidt-Eenboom: "De maneira geral, pode-se dizer que os serviços secretos operam como qualquer pesquisador, e 90% das suas informações decorrem da análise de fontes de consulta pública."

Parafernália técnica

Rainer Rupp (codinome Topázio), que foi espião da extinta Alemanha Oriental na sede da OTAN em Bruxelas, vê com desconfiança a parafernália técnica dos serviços secretos: "Os próprios especialistas dos EUA afirmam que confiam muito nos equipamentos técnicos e que operam agora quase exclusivamente através de reconhecimento à distância, com a captação de sinais eletrônicos e o uso de satélites. Neste ponto, o trabalho mostra-se problemático".

De fato, é enorme o emprego de equipamentos técnicos pelos serviços secretos americano e britânico. No seu livro sobre o serviço secreto norte-americano National Security Agency (NSA), especializado no reconhecimento eletrônico e óptico, o jornalista James Bamford descreveu as mais novas possibilidades de reconhecimento da voz humana: "O novo sistema pode filtrar uma enorme quantidade de ruídos ambientais. Ele pode reconhecer as palavras consideradas importantes até mesmo no meio de muitas vozes, dentro de uma festa".

Em face de tais possibilidades, parece estranho que o secretário de Estado Colin Powell possa mostrar fotografias de caminhões diante de um suposto laboratório de armas biológicas iraquianas, mas não saiba dizer que tais caminhões teriam transportado tais armas.

Precisão ineficiente?

Kameras Duell im Dunkel Spionage im geteilten Deutschland
Câmaras escondidas em carteiras de cigarrosFoto: PUNCTUM/Bertram Kober

Da sua parte, também Erich Schmidt-Eenboom mostra-se desconfiado em relação à parafernália técnica, já que os serviços secretos argumentam não ser possível obter com isto todas as informações necessárias: "Sabemos que os satélites americanos mais modernos possuem uma precisão de oito a dez centímetros no reconhecimento do solo. Pode-se empregar vários satélites ao mesmo tempo, o que os americanos fazem. E exatamente em tais momentos de suspeita, que têm prioridade máxima para os serviços secretos, pode-se empregar ainda aviões de reconhecimento. Há, além disto, a cooperação com os satélites de espionagem de Israel, da Grã-Bretanha e de outros serviços secretos aliados, podendo se obter uma completa imagem técnica da situação".

Se Saddam Hussein logra fazer todas as transgressões de que é acusado, seria isto então uma prova de que os serviços secretos são sempre passados para trás? Schmidt-Eenboom responde: "No caso da Al Qaeda vimos isto, quando Osama Bin Laden operou através de freqüências de rádio destinadas ao setor agrário, enganando a NSA. No Iraque, também constatamos os limites dos sistemas de espionagem: o governo iraquiano emprega agora cabos de fibra óptica, que não podem ser controlados através de satélites e de estações de escuta".

Retorno às fontes humanas

Exatamente por isto, aumentou-se nos últimos anos o esforço em recorrer novamente a "fontes humanas", ou seja, desertores e informantes. Mas, segundo Erich Schmidt-Eenboom, os americanos são tradicionalmente muito fracos nesse setor. Eles exercem a função de destino de desertores do Iraque, logrando assim informações relativamente importantes. Mas na operação dos seus agentes no Oriente Médio, os Estados Unidos têm enormes problemas. Isto decorre principalmente do fato de que os americanos são incapazes de adaptar-se à mentalidade árabe, como fazem por exemplo os agentes do serviço secreto francês.

Waffendepots in Irak
Silos de armamentos no IraqueFoto: AP

As ações isoladas dos serviços secretos americanos no Oriente Médio deveriam ter acabado, no mais tardar, após os atentados de 11 de setembro. Os agentes foram e continuam pressionados a fornecer informações exatas sobre os terroristas e seus planos. As pressões governamentais são tão grandes que praticamente já não são apresentadas análises objetivas. Entre os serviços secretos são comuns as manipulações ou as falsas interpretações intencionais dos dados coletados, quando o trabalho é feito sob pressão.

O ex-espião Rainer Rupp confirma: "Isto ocorre de todas as maneiras, fui freqüentemente testemunha disto. Os colegas da CIA sempre reclamavam das interpretações dadas às informações que colhiam. Eram em parte cientistas inteligentes, muitos deles se demitiram e tornaram-se depois assessores de políticos, passando a atacar a forma de trabalho da CIA".

Capeta e água benta

Rainer Rupp acredita haver manipulações também no material coletado agora para provar as transgressões iraquianas à resolução da ONU. Por exemplo, "os alegados contatos entre o Iraque e a Al Qaeda. A Al Qaeda, uma organização religiosa fundamentalista, e o profano Saddam Hussein, que sempre mandou matar todo fundamentalista da forma mais brutal possível. É como o contato entre o capeta e a água benta. É inimaginável. Quando Bush e Powell afirmam isto, eles contradizem a sua própria CIA, que sabe perfeitamente não existir nenhuma prova disto, nem mesmo indícios".

Se os resultados das investigações dos serviços secretos se orientam pela política do respectivo país, qual é então a sua força comprovativa? Que importância é dada aos documentos dos serviços secretos pelas instituições internacionais, seja em Nova York ou em Bruxelas?

Rainer Rupp: "Tenho recordações disto na minha época na OTAN, quando os Estados Unidos queriam impor alguma coisa ou orientação. Eles chegavam então com 30 ou 40 pessoas e faziam o que o meu chefe britânico da época chamava de to blind one with science. Ou seja, eles nos cegavam com constatações científicas. E acabavam impondo o seu curso. O surpreendente para nós é que tal curso mudava, de acordo com a política, com a administração que estava no poder em Washington. E a verdade de quatro anos atrás era revirada ao contrário."

Grampo é confiável

Duell im Dunkel - Spionage im geteilten Deutschland
Equipamento para escuta secretaFoto: PUNCTUM/Bertram Kober

As alegações do ex-espião Rupp são contestadas em parte por Hans Leyendecker, um jornalista especializado no assunto. Para ele, as informações dos serviços secretos podem ser provas importantes: "Elas sempre têm um grande valor comprovativo quando se trata de protocolos de escuta, dos quais se pode tirar conclusões. A importância é muito menor quando são citadas fontes anônimas e é sempre preciso suspeitar, quando se trata de uma mistura. Neste caso, toma-se geralmente material informativo de livre acesso, a fim de comprovar teses pouco prováveis dos serviços secretos".

Resta a pergunta: por que os serviços secretos não lograram a derrubada de Saddam Hussein nos últimos dez anos, se conseguiram envolver-se com êxito em tantos outros golpes de Estado? Para Rainer "Topázio" Rupp, a resposta é simples. Falta ao pessoal dos serviços secretos o engajamento necessário: "Um alto nível de motivação política dos agentes que trabalham para o aparato oficial; a disposição de – se necessário – dar a vida pelo êxito da missão".

Uma disposição que, ao que tudo indica, é característica apenas dos agentes secretos nas telas do cinema.