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Mauricio Kagel reflete sobre radiofonia

Simone de Mello, de Berlim20 de novembro de 2001

Academia de Belas-Artes de Berlim promove 15ª Semana da Peça Radiofônica.

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A propagação ilimitada de imagens pelas novas mídias parece intensificar o desejo de um espaço meramente sonoro, onde o ouvinte possa projetar suas próprias imagens. Durante a reapresentação de sua peça radiofônica A Inversão da América (Die Umkehrung Amerikas, 1976), no auditório da Academia de Belas-Artes de Berlim, na segunda-feira (19), o compositor argentino Mauricio Kagel, residente na Alemanha desde 1957, pôde constatar o efeito que suas composições ainda causa num público já anestesiado pelas imagens.

A peça, que transmite a violência da conquista espanhola nas Américas — contrapartida ao genocídio nazista — através de um tratamento radicalmente musical da linguagem verbal, ainda choca os ouvintes, 25 anos após sua primeira transmissão pelo Estúdio de Arte Acústica da emissora WDR. "A minha intenção não era fazer música comestível. Sou compositor, não sou pedagogo", defende-se Kagel da reação indignada do público, atingido pela violência de sua própria língua.

Kagel descreve a perplexidade das emissoras alemãs às quais ele tentou oferecer projetos radiofônicos, em meados da década de 60: "O senhor quer fazer trilha sonora para peças de rádio?" "Não", revidou ele, "quero compor uma peça radiofônica. Sou incapaz de escrever música para teatro ou filme." Referindo-se à sua primeira peça para rádio, Estado de Gravação (Aufnahmezustand, 1969, um trocadilho com o termo "Ausnahmezustand", "estado de emergência"), Kagel define a radiofonia como "um lirismo do imaginário, alimentado pela imaginação de espaços e pela interação de música como linguagem e linguagem como música".

Rádio total

— Para o compositor argentino, o trabalho com a linguagem verbal é uma possibilidade de lidar com um material mais preciso, mais concreto e mais direto do que a música absoluta: "Recuso-me a fazer peças radiofônicas que tenham um nirvana estético como ponto de partida." Ao descrever o processo de produção de A Inversão da América, um réquiem que transmite a violência da Conquista espanhola, encenando como a língua dos colonizadores foi imposta aos colonizados, Kagel lembra de ter levado os locutores ao limite de suas forças. Gerd Haucke teve que adiar uma produção subseqüente, por ter perdido a voz; uma participante holandesa tornou a produção ainda mais dramática, com constantes colapsos nervosos.

"O trabalho com rádio é a minha paixão e o meu sofrimento", reitera Kagel. Durante a primeira transmissão de A Inversão da América, o compositor ainda estava fazendo alterações na segunda parte da peça, enquanto a primeira já estava no ar. "Este manuscrito poderia ser transmitido dentro do noticiário", escreveu Kagel no prefácio de sua peça de 1976, destacando não apenas o "caráter live" da produção, mas também o seu teor documental. "É uma peça sobre todos os genocídios: isso sempre existiu e continua existindo: basta pensar no Afeganistão", afirma o compositor.

Com o depoimento de Mauricio Kagel sobre sua obra para rádio, a 15ª Semana da Peça Radiofônica abre uma série de palestras e oficinas, além de dois concursos em que o público desempenha o papel de júri. Através de discussões sobre a interação de música e palavra, narrativa e dramaturgia, bem como a apresentação de peças inéditas produzidas entre 2000 e 2001, o evento indaga novas possibilidades estéticas e técnicas de uma arte que poderá ter uma nova conjuntura, com a propagação do rádio digital.