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Lisboa: metrópole da luz e das sombras

1 de fevereiro de 2013

Depois da eclosão da Segunda Guerra Mundial, foi se tornando cada vez mais difícil para os perseguidos deixarem a Alemanha nazista. Aproximadamente 100 mil pessoas conseguiram fugir para Portugal.

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Foto: DW/Ferro de Gouveia

Deutsche Welle: De início, apenas poucos refugiados foram para Portugal. Mas a partir de 1940 – depois da ocupação da França – iniciou-se uma verdadeira fuga em massa pelos Pirineus rumo a Portugal. Por que exatamente para Portugal, que na época era governado por Salazar, um ditador?

Xosé Manuel Nuñez Seixas:Salazar não era de fato um fascista, mas principalmente um ditador católico e autoritário, que tinha por meta manter uma sociedade constantemente submetida ao autoritarismo. Ele se apropriou de alguns aspectos dos regimes fascistas contemporâneos, mas ao mesmo tempo manteve-se fiel à tradicional amizade com o Reino Unido.

Sendo assim, Portugal era um caso relativamente raro na Europa: o país não participava da guerra e ajudava ao mesmo tempo tanto os Aliados quanto os países do Eixo, sobretudo a Alemanha. A partir de 1943, porém, ficou claro também para Salazar que a Alemanha perderia a guerra. E a partir de então ele resolveu cortar relações tanto com a Alemanha quanto com a Itália, para se dedicar exclusivamente à tradicional amizade com o Reino Unido.

Antissemitismo retórico

Como o governo de Salazar e os políticos da época lidavam com aqueles que emigravam da Alemanha e de tantos outros países? Havia represálias, como por exemplo por parte das autoridades da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), criada por Salazar? Existia antissemitismo no país?

Em Portugal, não havia praticamente um antissemitismo disseminado, mas resquícios de uma aversão tradicionalmente católica a judeus. A maioria dos defensores do regime de Salazar não via os judeus com bons olhos. Ao mesmo tempo, eles não tinham a mínima ideia do que era ser judeu, pois nunca tinham visto judeus em suas vidas.

O mesmo acontecia na Espanha: o antissemitismo tinha um papel de certa forma retórico. Falava-se sempre de judeus que ameaçavam, ao lado dos comunistas, dos maçons e dos liberais, a existência das sociedades ocidentais. Mas não havia um antissemitismo concreto. Os poucos judeus que viviam em Portugal, de origem marroquina, eram respeitados. O presidente da Universidade Técnica de Lisboa era judeu. Os judeus europeus, que vieram aos poucos para Portugal, eram de qualquer forma tolerados, pois permaneciam apenas por tempo determinado no país.

Mas, se entre os que chegavam pesasse uma suspeita de ser comunista, ele poderia passar por maus bocados no país. Havia uma espécie de campo de concentração nas ilhas de Cabo Verde. Ainda se sabe alguma coisa sobre isso hoje?

Sim, alguns judeus foram presos, mas não porque eram judeus, e sim porque eram comunistas. A maioria dos comunistas detidos pelo regime de Salazar foi deportada para este campo. É preciso, contudo, dizer que, em comparação com a Espanha de Franco, onde os comunistas não eram apenas deportados, mas também assassinados, a vida destes judeus era respeitada. Em 1941, alguns refugiados judeus tiveram a permanência em Portugal negada e foram deportados de volta para a Alemanha, mas foram casos isolados.

Bela e pobre Lisboa

Nos documentos históricos, há relatos constantes sobre como a tranquila Lisboa da época foi se transformando e sendo modificada através da presença dos imigrantes: pessoas estranhas, novos idiomas, cafés superlotados. Como era o dia a dia dos refugiados em Lisboa?

Havia uma mistura de fascínio e decepção com o novo país. A maioria dos refugiados vinha da Alemanha, França ou de outros países relativamente desenvolvidos. Eles tinham na maioria dos casos uma boa posição social em seus países de origem. Lisboa era uma bela, mas uma cidade incrivelmente pobre. A população portuguesa sofria sob o regime. E o padrão de vida em Portugal era bem mais baixo do que nos outros países da Europa Central.

Xose M. Mumez Seixas
Xosé Manuel Núñez SeixasFoto: privat

Por isso muitos imigrantes e refugiados ficavam chocados com a pobreza em determinados bairros da cidade, por exemplo, onde as crianças andavam descalças pelas ruas e mal tinham roupas. Ou quando havia mau cheiro nas ruas. Outras testemunhas contam que, por outro lado, alguns dos cafés da época – como o Internacional – tinham uma atmosfera cosmopolita.

Cidade cheia de tensões

Em Lisboa, havia certa proximidade geográfica entre imigrantes e refugiados, por um lado, e nazistas a serviço da embaixada alemã e empresários alemães residentes em Portugal, por outro. Havia até mesmo membros da SS na cidade. Os defensores do regime de Hitler marcavam presença na cidade ou até mesmo se opunham de alguma forma aos imigrantes?

Claro! Como capital neutra, Lisboa era um centro de espionagem, da mesma forma que Madri e outras metrópoles. Mas Lisboa era sobretudo interessante por causa do porto: um porto estratégico, de onde partiam também navios para os Estados Unidos. Os nazistas sabiam que muitos judeus passavam pela cidade. Além disso, os nazistas se interessavam principalmente por uma coisa: pelo tungstênio, um metal importante, muito usado pela indústria bélica alemã durante a Segunda Guerra Mundial.

Portugal, assim como a Espanha, deveria fornecer à Wehmacht esse tungstênio. Além disso, Lisboa era um ninho de agentes britânicos e norte-americanos. Além disso, a polícia secreta portuguesa, a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) era consideravelmente brutal, tendo copiado diversos métodos da Gestapo. Para a população, o controle exercido por essa polícia secreta era terrível.

Você disse que a população portuguesa era pobre. Havia, apesar disso, algo como uma ajuda aos que procuravam refúgio, aos imigrantes? Como as pessoas da cidade lidavam com essa avalancha de refugiados?

Muitos refugiados tinham seus próprios recursos, dos quais precisavam também para subornar as autoridades tanto na Espanha quanto na França ocupada. Mas em Lisboa atuavam também algumas organizações internacionais de ajuda humanitária, como a organização religiosa Quäker e obviamente a Cruz Vermelha. A Quäker tinha sua sede em Lisboa e já ajudava desde o fim dos anos 1930 os refugiados espanhóis republicanos que chegavam à cidade.

Lugar que inspira

Muito se escreveu sobre Lisboa como cidade do exílio e como um lugar interessante, como você também descreve a cidade. Há uma série de livros famosos, que vão de Uma noite em Lisboa, de Erich Maria Remarque, a Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi, além de muitos outros. Por que isso?

Lisboa sempre foi mais interessante para escritores que para historiadores. A atmosfera peculiar da cidade sempre inspirou os escritores. Acho que algo semelhante é o que fascinava também os refugiados: essa cidade cheia de luz, ensolarada, sempre clara. Era o oposto da Europa áspera e ocupada.

Por outro lado, era uma cidade muito pacífica, extremamente tranquila, onde não acontecia muita coisa. O grande contraste era a presença de uma onda multinacional de refugiados, e ainda os cafés, os centros de espionagem, os lugares suspeitos. Disso vinha todo o fascínio que a cidade exercia, um fascínio que se estendeu até o famoso O céu de Lisboa, filme de Wim Wenders de 1995.

Xosé Manuel Nuñez Seixas é professor de História da Universidade Ludwig Maximilian de Munique e especialista em temas ligados a Espanha e Portugal.

Autora: Cornelia Rabitz (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer