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Língua austríaca proclama independência

Simone de Mello23 de agosto de 2004

O que até agora parecia um acordo tácito de submissão à reforma do alemão culminou num levante de escritores na Áustria. Literatos lançam manifesto e abaixo-assinado para proclamar a independência da língua austríaca.

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'Dicionário Austríaco' de Felix Hurdes e Ernst Fischer faz concorrência ao 'Duden' alemãoFoto: Bilderbox

"Os assinantes exigem que o governo federal faça tudo para estabelecer a língua dos habitantes deste país como um idioma autônomo dentro da União Européia", conclui o manifesto lançado pelos escritores Robert Schindel, Marlene Streeruwitz, Christian Ide Hintze e Roland Neuwirth. Até agora, o único destaque ao idioma austríaco dentro da UE é uma lista de 23 palavras tipicamente austríacas a serem usadas oficialmente para denominação de produtos dentro da UE.

Contenda da Geléia

É justamente contra esta visão parcial da língua que se volta o manifesto. O documento repudia a visão da variante austríaca do alemão como "mera compilação de vocábulos". Afinal, até agora o conflito entre os dois espaços lingüísticos tinha se reduzido ao reconhecimento de certas palavras como padrão. A polêmica mais recente ficou sendo chamada de "Marmeladenstreit" (a "contenda da geléia"), que culminou com uma regulamentação especial por parte das autoridades de Bruxelas: a geléia austríaca pode ser comercializada como "Marmelade" dentro do país, mas os produtos de exportação têm que manter a denominação "Konfitüre", pouco usual na Áustria.

Os mentores do manifesto exigem que o governo em Viena pare de gastar dinheiro com a implementação do que consideram uma "reforma ortográfica alemã" e passe a destinar essas verbas ao "incentivo a uma consciência lingüística austríaca e européia". Isso também incluiria fazer um estudo para comprovar se a população se contenta apenas em falar sua variante lingüística ou se também gostaria de poder escrevê-la. Em caso positivo, o documento exige que seja formada uma comissão de escritores, lingüistas e outros interessados, a ser encarregada de reavaliar a reforma ortográfica, observando o contexto europeu e o próprio passado multilíngüe da Áustria.

"Alemão austríaco" como língua oficial

Após esta comissão apresentar, então, resultados positivos, exige-se que se altere na Constituição o parágrafo que denomina a língua oficial. Em vez da designação "alemão", o abaixo-assinado sugere "austríaco" ou "alemão austríaco" ou a coexistência do austríaco e do alemão.

Os intelectuais se defendem da acusação de estarem promovendo uma iniciativa patriótica, conforme apontou o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung. O músico popular vienense Roland Neuwirth alega que se trata de uma defesa da diferenciação e da pluralidade. A prosadora Marlene Streeruwitz se refere à necessidade de garantir a "expressão do próprio". O poeta e romancista Robert Schindel, por sua vez, acusa os alemães de jamais terem entendido que existe um alemão austríaco, apesar da imensa contribuição literária dos autores deste país.

Maioria absoluta contra reforma

De fato, o vocabulário austríaco mal é reconhecido oficialmente fora do país. A não ser pelas 23 denominações oficiais de alimentos que Viena conseguiu impor dentro da União Européia através do chamado "Protocolo Nº 10". Passada a antiga contenda com Bruxelas, os austríacos aproveitam a chance da impopularidade da reforma ortográfica alemã para se voltar contra a hegemonia lingüística do país vizinho.

O abaixo-assinado lançado pelos escritores vai ao encontro do desejo da população. De acordo com dados divulgados pelo Neue Zürcher Zeitung, 62% dos austríacos defendem o retorno às antigas normas ortográficas, 32% concordam com a reforma, mas apenas 12% já utilizam as novas regras.

"Grande, vasto e profundo alemão"

Elfriede Jelinek
Elfriede JelinekFoto: AP

Entre outros escritores austríacos que não participaram do manifesto, as opiniões divergem. A dramaturga Elfriede Jelinek e o filólogo e romancista Alois Brandstetter lamentaram uma dependência demasiada das normas alemãs. O romancista vienense Peter Henisch simpatiza com o manifesto, mas é avesso a tendências nacionalistas. O escritor Robert Menasse, que já viveu no Brasil, anunciou no Süddeutsche Zeitung que pretende continuar escrevendo "o grande, vasto e profundo alemão que os reformistas não entendem". Entre os defensores da reforma ortográfica estão os poetas Wolfgang Bauer e Franzobel, para quem as mudanças não vão longe o suficente.

No domingo (22/08), alemães, austríacos e suíços opositores da reforma proclamaram o Conselho da Reforma Ortográfica, um grêmio autônomo que pretende impedir que os secretários da Cultura dos estados alemães "convoquem uma nova comissão, cuja única finalidade só poderia ser protelar o reconhecimento do evidente fracasso da reforma ortográfica".