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Influência de Hermann Hesse para além da Alemanha é forte

3 de abril de 2012

Hermann Hesse nos EUA, nos países árabes, na Ásia: o Nobel de Literatura tem muitos leitores. Em 2012, celebra-se o ano do escritor falecido há 50 anos. A Deutsche Welle entrevistou o biógrafo Gunnar Decker.

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Foto: picture-alliance / United Archives/TopFoto picture-alliance / United Archives/TopFoto

O escritor Hermann Hesse, Prêmio Nobel da Literatura de 1946, continua a ser um "autor de best-sellers" na Alemanha. Suas editoras no país (principalmente a Suhrkamp) lançam frequentemente novas edições de seus romances e contos, suas cartas são publicadas, assim como seus poemas e ensaios. Também no exterior Hesse possui numerosos leitores, sobretudo nos Estados Unidos, nos países asiáticos e no mundo árabe.

No Ano Hesse estão sendo lançados diversos livros sobre o autor falecido em 9 de agosto de 1962. A entrevista da DW com o biógrafo de Hesse, Gunnar Decker, abordou principalmente a questão: como se explica a popularidade duradoura desse autor de língua alemã no exterior?

Deutsche Welle: Sr. Decker, a reputação de Hermann Hesse vivencia repetidos altos e baixos na Alemanha, mas também no exterior. Como se explica este fato?

Gunnar Decker: Hermann Hesse é um escritor que sempre enfrentou as contradições do indivíduo no século 20. Contradições como a de se confrontar com um desenvolvimento tecnológico que o ameaça, com forças externas que lhe roubam a autonomia. Ele abordou a questão: como é possível resistir? Como se pode sair desta situação de alienação? Ele lançou a questão de uma vida não alienada, de um equilíbrio entre o interior e o exterior.

O grande impulso que Hesse vivenciou nos anos 1960-70 esteve acoplado a uma experiência bem específica: havia na época o grupo de rock Steppenwolf [O lobo da estepe, título de um romance de Hermann Hesse], que cantou Born to be wild, ou seja, "nascido para ser selvagem, diferente, para viver livremente".

Esse estímulo de ruptura se direcionava contra convenções externas bem concretas, vivenciadas como algo angustiante, repressor. Ele se voltava contra a Guerra do Vietnã. Estava aliado a experiências com drogas. Essa foi uma vivência histórica bastante específica das leituras de Hesse. Hermann Hesse perguntou: como posso impor minha autonomia nessa situação? Isso teve uma grande força simbólica na cultura jovem norte-americana.

O senhor mencionou os Estados Unidos, tratava-se da era hippie com suas mudanças políticas. Em que países Hesse foi ou ainda é popular?

Hesse é hoje especialmente importante nos países árabes como um incentivador da individualidade. A máxima "não siga a mim, mas sim a você", no sentido de Nietzsche, exerce hoje um importante papel no mundo árabe. A questão da autonomia e também da religião; a questão da compreensão da religião, não de forma militante, não de forma missionária, mas aberta a projetos de vida, a outras ideias. Isso é um tema muito premente no mundo árabe. Trata-se também de uma atualidade que se apresenta bem diversa da nossa.

Além de considerar os EUA e os países árabes, deve-se também olhar para a Ásia, quando se trata do impacto global de Hermann Hesse…

Na Ásia, o interesse tem crescido de forma mais gradual. O interessante é que lá há um grande interesse por Hesse como "autor alemão". A relação bastante problemática de Hesse com o que é nacional, com ser alemão, é importante.

Hesse era aficionado da literatura estrangeira
Hesse questionava noções de nacionalidadeFoto: Gret Widmann/gemeinfrei

Acredito ser justamente o distanciamento de Hesse em relação a ser alemão que o torna novamente interessante no exterior como um "autor alemão" . Enquanto Thomas Mann possui, sem dúvida, uma relação bem definida com o que é alemão. Para Mann estava claro: sua pátria era a Alemanha, é de lá que ele escrevia. Para Hesse, isso era muito mais fragmentado, mais complicado. Afinal, ele redige seu Allemanisches Bekenntnis ["Credo alemânico", em tradução livre], onde diz que sua relação com limites, fronteiras estaduais ou nacionais é altamente dúbio. E que, na verdade, ele não sabia muito bem que nacionalidade tinha, de nascença. Provavelmente russa.

Além disso, Hesse tinha um histórico familiar missionário: seus pais eram missionários pietistas, viveram muito tempo na Índia. Essa é uma forma de cosmopolitismo com traços paradoxalmente muito provincianos. Mas tudo isso impediu que os Hesse, também os avós e os pais, jamais se tornassem "bons cidadãos". Eles também sempre tiveram uma perspectiva diferente sobre o Estado e tais formas de existência historicamente limitadas. Eles sempre se perguntaram de forma muito mais primordial: como devo viver de forma correta? Foi essa uma pergunta que, repetidamente, levou Hesse a se conscientizar de que para ele a verdadeira vida, a verdadeira existência estava na linguagem.

A linguagem é a verdadeira realidade. As palavras são mágica. Com elas é possível encantar. Essa compreensão básica, esse retorno a questões como "Qual é a minha nacionalidade?", "Em que país vivo?", possui algo agregador. Em Hesse, isso tem um elemento universal, também de crítica à globalização. No sentido de que a gente sempre se pergunta: o que é a vida, de verdade? Como é essa vida que todos nós deveríamos viver, uma vida não alienada, mais humana? E como podemos conviver, apesar de tudo o que nos separa? Nesse aspecto, Hesse é um autor que constrói muitas pontes.

Entrevista: Jochen Kürten (ca)
Revisão: Augusto Valente